30.4.07

Nunca mais serei o mesmo

Já ouvi muitos pregadores, os quais disseram palavras e mais palavras, mas jamais esquecerei de um pastor amigo que resolveu pregar com uma atitude nada conveniente para hoje. Mesmo após alguns dias de uma cirurgia na perna, ele abaixou-se para lavar os pés dos seus ouvintes. Piegas? Sei lá. Só sei que se um dia alguém lavar seus pés, você nunca mais será o mesmo.

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27.4.07

Teologia acrobática

A praia de Botafogo hospedou, no último fim de semana, a segunda etapa do Circuito Mundial de Aviões, realizado pela primeira vez na América Latina. O evento consistiu de um show de acrobacias feitas por pilotos experientes. Ganhou quem foi mais rápido, realizando o percurso da maneira mais perfeita possível, sem esbarrar em algum obstáculo. Estar lá, assistindo entre um milhão de pessoas, levou-me a descobri o método da teologia.

Sempre foi vocação dos teólogos voarem. Aliás, este é quase um princípio para quem se aventura a fazer teologia: voe o mais alto que puder. Contudo, o vôo depende muito do piloto. Não adianta ficar fazendo acrobacias sem seguir um percurso pré-definido. Há muitos obstáculos pelo caminho, nos quais se pode encostar ou não. Se encostar, considere-se longe de ser um grande teólogo, no sentido clássico da palavra. Afinal, teologia que se preze precisa voar perfeitamente bem, sem atingir os obstáculos, até chegar à mais bela das acrobacias. Ter a infelicidade de tocar em um dos chamados pilões é motivo para se considerar um teólogo fracassado. Piloto que é piloto sabe bem controlar seus movimentos, aquele que não o faz precisa de mais treino, ou está na profissão errada.

Todavia, o problema da teologia é justamente esse: se pretender perfeita sem ser perfeita. As asas dos nossos aviões são frágeis. Nem os melhores pilotos podem garantir o sucesso contínuo a cada etapa. Por isso, é impossível viver de acrobacias sem a noção de perigo. O teólogo vive dessa consciência mais que necessária, pois sabe que a qualquer momento pode cair lá de cima.

A teologia é, portanto, acrobática, porque faz, com muito treino, manobras que podem ser perfeitas ou não. Quanto mais rápida, perfeita e inerrante for, mais próxima estará dos aplausos. Quanto mais se esbarrar nos obstáculos, mais próxima estará da sua natureza inerente, o risco de cair.

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20.4.07

República dos Guaranis


Conta-se que antes dos ibéricos chegarem nestas supostas terras de ninguém do cone sul, existia, do Paraná ao Paraguai, uma civilização muito avançada de índios guaranis. Lá já estava estabelecida a primeira república de todo o continente. Sua religião pregava que um dia alguém, o qual eles deveriam seguir, chegaria às suas terras com uma cruz. Acredita-se que essa orientação tenha vindo do apóstolo Tomé no início da era cristã.

Com a chegada dos padres jesuítas, os povos indígenas ganharam força e prestígio por causa de sua cultura, sobretudo as artes, que não deixavam a desejar em comparação com os artistas medievais.

Embora inicialmente fossem aliados dos espanhóis, havia muito cisma quanto a uma possível independência guarani. Deflagrada uma guerra de Portugal e Espanha contra a jovem república, que insistia no lema Co yvy oguereco yara — “Esta terra tem dono” —, foi destruída toda a história deste bravo povo, considerado um dos mais cultos das Américas.

As ruínas guaranis guardam as marcas de uma violência contra os índios que jamais deveria ser esquecida pelos povos sul-americanos, em cuja descendência ainda se conserva este sangue nativo. Este monumento é reconhecido pela Unesco como uma das quatro rotas turísticas culturais mais importantes do mundo.

Infelizmente, os indígenas se tornaram patrimônio histórico da humanidade apenas quando foram exterminados, um pouco tarde demais. O massacre ibérico à República dos Guaranis deveria ser motivo para brasileiros, argentinos, paraguaios e uruguaios mantermos acesa a memória dos guaranis, os quais sonharam com uma terra onde o povo fosse soberano, ideal próprio de uma república, muito diferente das tirânicas monarquias européias.

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17.4.07

A substância católica e o princípio protestante

A percepção do pensador alemão Paul Tillich (1886-1965) sobre substância católica remete à sua peculiar interpretação do sacramento como universal, o que significa que há uma universalidade do fenômeno religioso inerente ao ser humano. Neste sentido, a mente humana é um sacramento onde o divino aparece, sendo assim qualquer expressão de fé legítima por constituir uma característica própria do relacionamento entre ser humano e sua busca por um sentido último de sua existência. Aqui se configura a principal contribuição do pensamento tillichiano sobre substância católica para o diálogo interreligioso, sobretudo, quando se considera como importante todas as expressões religiosas, pois todas partem — e nascem — da mesma necessidade existencial para o encontro com o divino. Haveria, portanto, um princípio de universalidade da fé, que permite a todas as religiões serem vistas como expressões autênticas da experiência religiosa. É substância porque faz parte do conteúdo religioso. É católica porque é inerentemente universal a todas as expressões de fé.

Tillich, no entanto, alerta para o risco de uma destas religiões se pretender como única detentora da revelação, que seria primordialmente universal e natural. Neste caso, o princípio protestante é fundamental no desenvolvimento do diálogo inter-religioso, principalmente por representar um valor iconoclasta de combater qualquer ameaça de idolatria entre as religiões. Nenhuma fé deveria ter o direito de excluir ou desconsiderar as outras manifestações religiosas, já que são congêneres e possuem o mesmo nascedouro existencial. O papel do princípio protestante é evitar a pretensão de cadeiras mais altas em uma mesa ecumênica, cujos membros precisam também praticar o espírito crítico dentro de seus respectivos âmbitos. Qualquer elevação de um aspecto da religião a um patamar de particularidade deve ser compreendida como um perigo idólatra. Por isso, deve ser um princípio protestar contra qualquer risco de uma exacerbação da substância católica — razão pela qual é protestante —, bem como de uma não consideração desta substância em decorrência da incapacidade de uma religião reconhecer como universais todas as outras religiões.

A rigor, levados até às últimas conseqüências, a substância católica e o princípio protestante não devem ser vistos como conceitos isolados, mormente por serem interdependentes. De um lado, a substância católica ao extremo poderia resultar em campo fértil para uma inevitável idolatria universal, onde todas as religiões poderiam ser entendidas como essencialmente corretas somente pelo fato de serem expressões de fé, gerando uma falta de crítica entre elas. De outro lado, o princípio protestante assumido única e radicalmente destrói toda propensão humana ao fenômeno religioso, levando conseqüentemente a um mero ateísmo ou frio moralismo. Por esta razão, a substância católica e o princípio protestante necessitam ser entendidos e praticados, no âmbito do encontro das religiões, em uma relação de interdependência. A conjunção “e” não deve ser abandonada, por ser o representante semântico dessa necessidade de coexistência de ambos os conceitos.

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12.4.07

Utopia

Está em extinção a palavra utopia. Afinal, temos descoberto, a cada dia, que é mais fácil ser cínico do que utópico. Há resistências, mas a tendência geral é de um esfriamento daquele comprometimento ideológico com o bem-estar da coletividade. A raça sujeito utópico fica rara entre muitos filósofos de hoje, mais preocupados com a lógica do que com o inexplicável, pois se calam — leia-se: não se interessam — diante daquilo que não sabem (Wittgenstein). A palavra utopia foi transformada em sinônimo de quimera, fábula, ou ficção. Assassinado está o sentido do não lugar que aponta para um ideal que de tão sublime vale a pena tentar construí-lo aqui e agora. A ironia, então, passa a ser regra filosófica e ninguém, por favor, não ouse falar em paraíso.

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9.4.07

Uma palavra diz muito

Muita gente observa que nossa língua portuguesa é pobre por ter apenas uma palavra para descrever o amor. Não há diferença entre o que chamamos de amar um cônjuge, amar um parente ou amar um amigo. Tudo é amor. Se, por um lado, isso não nos abre para perceber as complexidades do verbo amar, por outro, isso acaba simplificando tudo em uma só palavra. E a simplicidade fala por si só.

Embora a palavra grega ágape fosse rara na literatura da Grécia antiga, os primeiros cristãos adotaram-na para designar um amor que se diferencia especialmente de eros — “amor de desejo” — e também de filia — “simpatia natural” ou “afeto mútuo”. Portanto, já no início do cristianismo havia uma preocupação em comunicar o que é o amor através de uma só palavra.

Observem os três primeiros versículos de I Coríntios 13. Todos começam marcados principalmente por uma palavra: ainda. O escritor Paulo utiliza este advérbio como recurso para construir orações condicionais que trazem à baila as maiores preocupações do público para o qual ele está falando. Através de maravilhosas cadências, estas orações produziam um efeito dramático no idioma dos ouvintes. Todavia, tudo aquilo que enchia a cabeça daquelas pessoas, por mais surpreendente que fosse, se rendia diante da simplicidade do amor.

O discurso do amor é simples, porque o amor é simples. Se há amor, não nos preocupemos muito com o que dizer, pois o amor fala por nós. A fala é mais agente do que paciente. Ou seja, as nossas ações dão vero testemunho de quem somos. Por isso, não adianta se preocupar com o que fazer e com o que não fazer, pois ainda que façamos tudo o que deveria ser feito, o amor continuará sendo mais importante.

Amar não é obrigatoriedade, mas é espontaneidade. Se for obrigação, já não é amor. Quando Jesus fala sobre o amar a Deus e ao próximo como mandamento, ele está relativizando a própria noção de mandamento. Ou seja, não temos que nos preocupar em como amar, pois a nossa vida já é amar. Amar não é imperativo, é constatativo (sic). Ou vocês amam, ou não amam. A realidade está aí dentro de vocês. O amor já existe aí, na vida, em cujo campo fértil há apenas uma sementinha pronta para crescer e dar muitos frutos. Amor é simples assim, podendo até ser descrito em uma simples palavra. E por ser simples já diz muito.

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4.4.07

Com ou sem chocolate?

O meu desejo, nessa páscoa, é que possamos enxergar para além dos símbolos alheios e olhar para os nossos próprios símbolos através destes símbolos até esdrúxulos, como um ovo adornado. Em outras palavras, vamos falar de chocolate e falar de morte e ressurreição. Vamos falar de morte e ressurreição e falar de chocolate.

A cultura diz chocolate. Nós dizemos morte e ressurreição do grande libertador da humanidade. Mas não é tão fácil assim. Falar jogando palavras ao vento é balela. Quero ver falar com a vida. Isso aí! Morte e ressurreição na vida. Já dizia um sábio cristão: "pregue o evangelho, se necessário use palavras".

Esquecer o chocolate? Não. É preciso transcendê-lo, isto é, passar além do normal, do natural. Partir do chocolate para a morte e a ressurreição. Creia: Jesus faria o mesmo. Ele não trucidaria a cultura. Não! Ele daria sentido à cultura. Isso é santificar: transcender o profano para o sagrado.

Somos gente. Por isso somos imanentes, ou seja, o oposto de transcendente, ou seja, somos chocolates, quer queiramos ou não. Não passamos de uma mera pasta alimentar que se prepara com cacau, açúcar e outras substâncias.

Sei que é difícil olhar para o chocolate e encontrar crucificação e ressurreição. Quanto mais olhar para o Cristo crucificado e ressurreto e encontrar o chocolate. Todavia, é só através dessa mistura, imanência e transcendência, chocolate e cruz, que a gente pode falar de morte e ressurreição na páscoa dos nossos dias. Vamos assumir!

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3.4.07

As estrelinhas

Domingo eu chorei na igreja. Meu coração não agüentou quando viu inúmeras estrelinhas que representavam o número de crianças que morreram de AIDS na cidade de Welkom, na África do Sul. O missionário falou de muitas coisas a respeito de seu trabalho ali, mas aquelas estrelinhas não saem da minha cabeça. Sinto-me torturado pela frase Remember them all, escrita no painel de estrelinhas. Preciso lembrar daquele céu, repleto de crianças inocentes que, impossibilitadas de terem a vida como gente, se transformaram em estrelinhas.

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