30.12.08

Religião e cultura

Acredito que a cultura é tão religiosa como a religião é cultural. Vide, exempli gratia, a guerra entre israelenses e palestinos. Fica difícil dizer o que se trata de religião e o que se trata de cultura.

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24.12.08

É festa

Está aqui na minha Bíblia: Jesus nasceu. Maria deu à luz. E é festa. Festa é dia santificado. Na criação, por exemplo, a gente supõe que depois de concluído todo o divino trabalho, a parte mais importante foi a comemoração, pois consta-se que fora exatamente o sétimo dia, o do descanso, o único a receber status de abençoado.

Todo nascimento é sagrado, porque significa que a humanidade não estará em extinção: uma nova mulher ou um novo homem dará seqüência à vida humana na Terra. Como qualquer pessoa portanto, aquele bebê de Nazaré emancipou-se do ventre materno para trazer esperança ao mundo. Isto vale para tudo que respira o ar que da garganta divina proveio. “Tudo que move é sagrado”, já compuseram Beto Guedes e Ronaldo Bastos. Esperar é movimentar. Esperança inclusive significa “esperar com ação” (sperare e antia).

Arrisco então: ter esperança é fazer por esperar. Ora, se toda criação “geme” na esperança de um novo amanhã libertador, como nos lembra S. Paulo (Rm 8,22), por que não haveremos nós de gemer também? Todo dia ouço um pássaro a gemer aqui, uma planta a gemer ali. Querem me dizer: “Geme tu também!” A natureza trata de fazer lá a sua festa. E nós bem que poderíamos imitá-la. Fazer nossa parte, festejando com toda criação, já seria muita coisa.

A festa precisa ser universal. Para todos e todas. Para tudo o que move. De modo que não haja lugar onde falte comemoração. A começar dos lugares mais marginalizados, habitados por seres vivos também criados, também nascidos, também gemendo, mas sem festa.

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18.12.08

Uma definição

Profano: pro, «antes» + fanum, «templo». Logo, tudo o que está do lado de fora das portas sacras compõe o dégradé do núcleo de fé, pois «templo» também está dentro de «profano». É apenas uma questão geográfica. De modo que dizer que o «templo» é mais importante do que o «antes» é o mesmo que dizer que a gema é mais importante do que a clara, quando sabemos que o ovo é composto por ambas. Por favor, não me venha perguntar se quem nasceu primeiro foi o ovo ou a galinha.

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12.12.08

Justiça divina

A lei de Deus me parece bastante simples na boca de Jesus. Tudo não passa de fazer com o outro aquilo que você quer que seja feito consigo mesmo. (cf. Mt 7,12) Tal ideal fortalece o princípio de justiça para todas as pessoas como responsabilidade de cada um de nós e, por conseguinte, quebra a noção de que o único caminho possivelmente justo no planeta é o toma-lá-dá-cá, ou o velho olho-por-olho-dente-por-dente.

De quebra, ainda ficamos com um embaraço: tudo o que quero é o meu bem, mas será que quero o bem do outro? Na verdade, esta pergunta ainda não se faz entendida. Gostaríamos de ficar sem roupa para vestir ou sem alimento para comer? Gostaríamos que as pessoas nos passassem a perna? Gostaríamos que fossem injustos para conosco?

Neste exato momento, ouço os seguintes versos cantados:

Heal the world,
Cure o mundo,
Make it a better place
Faça dele um lugar melhor
For you and for me
Para mim e para você
And the entire human race.
E para toda a humanidade.
There are people dying.
Há pessoas morrendo.
If you care enough for the living,
Se você liga pra quem está vivo,
Make it a better place
Faça do mundo um lugar melhor
For you and for me.
Para você e para mim.

Quando ouço as pessoas dizerem na igreja que Jesus morreu, é quase que instintivo reagir assim: “Mas ele ressuscitou.” Ressuscitou e ressuscita. Olha ele aí falando pela boca do Michael Jackson!

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9.12.08

Capitalismo carpe diem

Acho que a so called “crise financeira” dificilmente afetará o subúrbio do Rio de Janeiro, realidade dentro da qual estou inserido em corpo, casa e igreja. A cultura aqui se resume em arrumar dinheiro, sair às ruas, encher ônibus, metrô e trem, para gastar, gastar, gastar. Há sempre um bom lugar e uma boa coisa para onde direcionar o mínimo de pecúlio que resta no bolso, na bolsa, na carteira. Ene lojas, ene shoppings, ene camelôs (Pirataria? Quem liga pra isso além da TV?). Ganhar para gastar é uma promessa de felicidade. Afinal, vivendo sob um forte sol, que só serve para lembrar aos suburbanos cariocas da impossibilidade de passar o ano todo na praia, carpe diem é uma regula fidei, e save money, uma heresia em língua estranha. Presidente Lula, relaxa, é carnaval!

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3.12.08

O outro

“Para não deixar de ser si-próprio, tem que continuar a ser distinto dos outros”, proclama Fernando Pessoa. Esse “si-próprio” é o outro que há em mim. Eis que a cada um de nós está posto o desafio de perceber sensorialmente o outro dentro de si. Quanto mais tenho a noção da minha existência sensível mais o outro existe. Portanto, o outro será sempre necessário — “viver é ser outro”.

Mas esse outro inclui todos os entes, ou seja, tudo aquilo que existe sentindo-se. “Para se sentir puramente si-próprio”, explica Pessoa, “cada ente tem que estar em relação com todos, absolutamente todos, os outros entes; e com cada um deles na mais profunda das relações possíveis”.

A nossa identidade surge justamente dessa relação entre os entes. Na verdade, é a relação que provoca a identidade, ou, nas palavras pessoanas, “a esta Relação chama-se identidade”. Então, quanto mais subjetivo sou mais universal me torno.

Isso não tem nada a ver com o atual individualismo egoísta que, nos dias de hoje, leva as pessoas a se isolarem umas das outras, com as quais acabam praticando apenas uma relação instrumental. Com isso, deixam de perceber que o outro é tudo o que nelas há.

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