31.3.08

Era do se

Um dos maiores literatos norte-americanos do século passado, Francis Scott Fitzgerald (1896-1940), definiu seu tempo como Era do Jazz (Jazz Age). Caso estivesse vivo nos tempos de hoje, diante do trilema eleitoral em que vive seu país, talvez trocaria o “Jazz” pelo “se”:

Se votar em Hillary, é racista. Se votar em Obama, machista. Se votar em McCain, os dois.

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27.3.08

"D"

A, B, C... Eis o nome do novo demônio que paira sobre o ar da Cidade Maravilhosa: não o digam, por favor; melhor deixar só a letra inicial, mesmo assim batendo na madeira. “Deus me livre”, deve está dizendo qualquer mineiro do interior que vê na TV o estrago que um invertebrado dos quinto anda provocando na terra do Cristo. (Oh, Redentor, oxalá tuas mãos se movessem aí no Corcovado para nos ajudar a esmagar esses emissários do mal!) Das Gerais, no entanto, ninguém vê que os pobres mortais daqui de baixo deram lugar ao diabo. A começar das potestades de cima que, através dos poderes (in)competentes, demoraram para agir. (Até agora o dondoco do senhor prefeito, da facção Democratas, acha que não estamos numa epidemia!) E assim as hostes da maldade iludem o povo. (Ô coitado!) Vós, donzels e donzelas, outrora não tampastes as vossas caixas d’água e piscinas, ora apontais o dedo. Salve o país da dedada! (Perdoa-nos, Senhor, porque trocamos aquele maior dos teus mandamentos pelo dedai-uns-aos-outros.) Do jeito que o demo gosta. Demonstrado está, ademais, que o mal imperando, a indústria lucra. A de dedetização produz superfaturados líquidos químicos com água a quase R$ 5. A farmacêutica deixa a desejar no preço dos repelentes — quando há para vender, cerca de R$ 12. E o comprimido? Mais de uma cartela de R$ 2 por dia. Desisto, deve haver um jeito de exorcizar a letra "d" do alfabeto. Deus-dará!

(À Priscila, suposta infectada pela famigerada ocupante da quarta posição no... Ah, vocês sabem!)

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20.3.08

Serve até como epígrafe

Na Idade Média as pessoas eram religiosas secularmente falando. Hoje, são seculares religiosamente falando.

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19.3.08

Que todos sejam um

A antiga idéia de uma igreja para todo o mundo sempre fez com que a fé cristã fosse um nascedouro de ideais de unidade. O elemento de catolicidade ou universalização dos cristãos e cristãs é uma evidência de que esta religião, apesar de sua instituição ser historicamente fechada, sempre manteve, ainda que por meio de pessoas não-autorizadas, aquele ideal de que é possível ser um. Como cristandade, sonhar com a unidade pode parecer uma ilusão distante de ser realizada, às vezes, uma visão utópica ou até moribunda, porém não se pode negar a existência recorrente de pessoas cristãs que não sabem e não querem viver isoladas em sua fé, mas estão dispostas a compartilhar e aprender com outras confissões, congêneres ou não. Isso só é possível através de experiências do dia-a-dia, fora do âmbito das instituições, onde homens e mulheres podem dialogar, se deixando serem vistos pelos outros com os quais aprendem.

Talvez seja aqui, na vida dos sujeitos, religiosos ou não, que o verdadeiro diálogo acontece. Afinal, cada vez mais, as pessoas descobrem sua própria maneira de vivenciar a fé, dependendo sempre menos das orientações institucionais. O futuro da unidade cristã e do diálogo com as outras religiões depende, portanto, da gente simples que vivencia a religião num cotidiano marcado pelas peculiaridades de cada um.

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15.3.08

Sem “a priori”

Um ‘a priori’ é algo que elimina qualquer possibilidade de experiência.

A curta frase acima é a primeira anotação que consta na folha do caderno que levo para a universidade onde curso Inglês/Literaturas. Sempre gostei de anotar durante as aulas, mas nunca soube precisar a utilidade deste gesto. Acredito que seja em virtude da memória, que, de tão falha, carece de reverberações — devaneios — dos momentos vividos para memorar alguma coisa. Não basta a mente, é preciso reviver a experiência que levou minhas mãos a reagirem diante da lauda virgem. Por isso, não adianta muito ler o papel ferido pela grafite se não sentir as palavras ali desenhadas. E se o desenho é uma arte, logo, toda escrita é uma arte. Ora, “nenhuma obra de arte foi feita para ser entendida, mas sim alienada” — como admoestam as últimas palavras ainda escritas naquele dia, durante a aula de Literatura, História e Crítica Cultural no Século XX, completadas por um “É preciso alienar-se na obra de arte”. (Dali em diante, não escrevi mais nada no caderno.)

Eis uma palavra-chave: “alienar”. Em sua etimologia, esta palavra remonta o sentido de “transferir para o outro o seu direito de propriedade”. Ou seja, deixar de estar no mesmo lugar estático de sempre, chamado “eu”, que acaba se convertendo num individualismo egoísta, pretensiosamente despreocupado com as outras pessoas. Não se percebe, no entanto, que há um outro dentro de nós, com o qual convivemos numa relação dialética, pois é sempre o outro quem sabe de mim, não eu.

Se houver um “a priori”, não se aliena. Não se tem experiência. Não se escreve no caderno. Não se atenta ao outro. Afinal, não há alteridade, não há arte, não há memória.

Lembro-me de uma palestra que ouvi do Rubem Alves, onde ele reclamava do público ficar tomando nota enquanto o escutava. Sua indagação era a seguinte: Se nunca lemos o que escrevemos, por que diabos anotamos durante as aulas?

Ora, a anotação só tem efeito se for “a posteriori”, revivendo a própria escrita. Se não nos desvencilharmos do “a priori”, isto é, de que entendemos tudo o que foi dito pelo palestrante e de que não precisamos aprender mais nada, jamais seremos capazes de deixar que a arte anotada fale aos nossos ouvidos surdos e, diria, inalienáveis.

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13.3.08

Uma confissão

A cada dia mais me convenço de que não sou nada, percebendo-me humano, demasiadamente humano; e de que preciso ser transcendido para além desta minha condição humana. Sinto, no entanto, que não cabe a mim este esforço, porque, vez ou outra, percebo-me tomado por algo que me toca incondicionalmente. Assim, sou dominado, não domino. Mas tem uma coisa: isso pode acontecer tanto ali na padaria da esquina como na igreja. Aliás, confesso, ultimamente tenho gostado muito de pão.

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