Sem “a priori”
A curta frase acima é a primeira anotação que consta na folha do caderno que levo para a universidade onde curso Inglês/Literaturas. Sempre gostei de anotar durante as aulas, mas nunca soube precisar a utilidade deste gesto. Acredito que seja em virtude da memória, que, de tão falha, carece de reverberações — devaneios — dos momentos vividos para memorar alguma coisa. Não basta a mente, é preciso reviver a experiência que levou minhas mãos a reagirem diante da lauda virgem. Por isso, não adianta muito ler o papel ferido pela grafite se não sentir as palavras ali desenhadas. E se o desenho é uma arte, logo, toda escrita é uma arte. Ora, “nenhuma obra de arte foi feita para ser entendida, mas sim alienada” — como admoestam as últimas palavras ainda escritas naquele dia, durante a aula de Literatura, História e Crítica Cultural no Século XX, completadas por um “É preciso alienar-se na obra de arte”. (Dali em diante, não escrevi mais nada no caderno.)
Eis uma palavra-chave: “alienar”. Em sua etimologia, esta palavra remonta o sentido de “transferir para o outro o seu direito de propriedade”. Ou seja, deixar de estar no mesmo lugar estático de sempre, chamado “eu”, que acaba se convertendo num individualismo egoísta, pretensiosamente despreocupado com as outras pessoas. Não se percebe, no entanto, que há um outro dentro de nós, com o qual convivemos numa relação dialética, pois é sempre o outro quem sabe de mim, não eu.
Se houver um “a priori”, não se aliena. Não se tem experiência. Não se escreve no caderno. Não se atenta ao outro. Afinal, não há alteridade, não há arte, não há memória.
Lembro-me de uma palestra que ouvi do Rubem Alves, onde ele reclamava do público ficar tomando nota enquanto o escutava. Sua indagação era a seguinte: Se nunca lemos o que escrevemos, por que diabos anotamos durante as aulas?
Ora, a anotação só tem efeito se for “a posteriori”, revivendo a própria escrita. Se não nos desvencilharmos do “a priori”, isto é, de que entendemos tudo o que foi dito pelo palestrante e de que não precisamos aprender mais nada, jamais seremos capazes de deixar que a arte anotada fale aos nossos ouvidos surdos e, diria, inalienáveis.
Marcadores: Arte, Cotidianidade
Bonito, companheiro Felipe! Tempino já que eu não espiava seu blog. Cara nova, né? Você sempre se supera.
Abraço,
Cleber