28.6.07

Da oração

A oração é um dom divino e não um mero mérito alcançado por dedicação humana, porque Deus só pode vir a nós por iniciativa própria, já que nenhum esforço, nenhuma disciplina e nenhuma prática ascética podem trazê-lo. Todavia, quando oramos, enfrentamos tanto a presença como a ausência divina, pois, na prece, a ausência não está separada da presença de Deus, tampouco a presença está separada de sua ausência. A oração, portanto, sempre nos leva de certezas falsas a incertezas verdadeiras, de conforto a riscos, de um deus seguro a um Deus ilimitado — aquele que vive nos surpreendendo.

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21.6.07

Cuidados com o fígado

Há risco em descobrir segredos. Conta-nos a mitologia grega que um titã chamado Prometeu decidiu, em certa ocasião, roubar fogo do Olimpo para permitir com que a raça humana fosse superior aos outros animais. Devido a este ato, o qual diminuiu a supremacia dos deuses sobre a humanidade, Prometeu foi castigado por Zeus, quem o acorrentou a uma pedra, onde um abutre comia seu fígado. Tal instinto prometeico continua presente no DNA humano, pois homens e mulheres têm provado serem capazes de cometer loucuras em prol do desvelamento de mistérios ocultos, mesmo que isso resulte em sagrado castigo hepático. Lembremos que furtar fogo do Olimpo é ameaçar os deuses com a possibilidade de nós, seres humanos, nos tornarmos — ou nos descobrirmos — divindades ao desvendarmos os arcanos do universo. O Ministério Divino adverte: brincar com fogo provoca hepatites das mais graves!

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15.6.07

Pastoral às avessas

Fã infantil do primeiro testamento do conjunto de livros sagrados cristãos, vez ou outra me pego lendo a obra mais pastoral de todas em minha opinião, chamada Eclesiastes. O capítulo 3 deste aporético livro contém uma seqüência de coisas difíceis de se entender, incluindo um eterno adágio: “tudo tem o seu tempo”. Não entendo o chorar, muito menos o rir. Mas lá está escrito que há tempo tanto para aquele como para este. É verdade! Hoje eu me vi no abismo dos dois verbos.

Ao fazer meu primeiro funeral como novel pastor, à tarde, li que há tempo de estar calado, bem como há tempo de falar. Obviamente, o silêncio foi a mensagem. Não queria dizer nada além de uma ausência de discurso. Espera-se, no entanto, que um ministro religioso use a sua língua nestas horas. Usei. Não mais que 5 minutos, sendo um de solene silêncio. Jamais esquecerei daquelas reticências. “Quando as respostas se transformam em perguntas, quando as certezas se transformam em incertezas, quando a alegria se transforma em tristeza, quando o riso se transforma em choro”...

À noite, porém, saboreava uma garfada de strogonoff de carne em uma festa de aniversário de alguém da igreja. Falar era o mais importante. Futebol foi o assunto. Risadas aos montes. Reticente me senti apenas na hora de ir embora. Em boa hora!

Voltando para casa, agorinha, pelas ruas frias e vazias da Tijuca, lembrava-me daquilo que mamãe me disse quando criança: “chore com os que choram, alegre com os que se alegram”. Confesso: continuo sem compreender!

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12.6.07

Ciência e religião

O cientista não estaria, em suas atividades, ocupando o lugar de Deus? Essa popular pergunta já leva o famoso debate fé e saber para uma relação de confronto entre ciência e religião. Essa maneira antagonista de enxergar tanto um como o outro tem influenciado os debates populares sobre o assunto, em que pese este conflito não ser tão intenso entre muitos estudiosos.

A origem deste embate pode ser interpretada como uma questão cultural, pois o conhecimento científico seria um recurso cultural construído e desenvolvido por alguns grupos sociais com vistas a determinados interesses e objetivos. Isso explicaria a competição entre o clero e os cientistas profissionais na sociedade inglesa do século XIX. Na era vitoriana, novos grupos intelectuais emergentes buscavam substituir os antigos.

Na verdade, todos os conflitos entre religião e cultura estão baseados na identificação da religião como religião no mais estreito sentido, ou seja, religião como um mero pedaço de cultura que reivindica ser mais que cultura e, portanto, irrompe o conflito com outras realidades culturais, tais como a ciência. Embora a religião seja a substância da cultura, é a própria cultura que é a forma da religião. O ambiente é mais favorável a diálogo do que a confronto.

Dialogar significa uma troca de idéias autônomas. Afinal, da mesma maneira que a ciência não pode se intrometer nos interesses da fé, não cabe à religião interferir nos assuntos científicos. É importante que cada uma entenda bem o seu lugar.

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4.6.07

Dúvida e fé

A dúvida é essencial para a fé. Ao mesmo tempo em que a fé é certeza na medida em que se baseia na experiência do sagrado, ela é cheia de incerteza, pois o infinito para o qual a fé está orientada só pode ser experimentado por um ser finito. Tal insegurança da fé não pode ser anulada, sendo sua aceitação um ato de coragem. Coragem é correr o risco de afirmar a si mesmo diante dos poderes do “não-ser”, pelos quais todos os seres finitos estão ameaçados. Onde há risco de coragem há possibilidade de fracasso, possibilidade essa inerente a todo ato de crer. A única coisa certa mesmo é a paixão infinita como paixão infinita, ou seja, a incondicionalidade como tal.

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