27.10.09

Mãos divinas

Será que temos todo esse poder de escolher o lugar onde estamos? Eu não sei. Só posso dizer que, no momento, sinto que estou no melhor e mais difícil lugar do mundo: as mãos divinas. Ali minhas certezas se diluem diante do futuro que só a elas pertence. Ali sou cada vez mais fraco, porque nelas estou impossibilitado de dominar e de “fazer acontecer” qualquer coisa. Ali não sei para onde vou, mas posso perguntar: Quem sabe elas, as mãos, não sabem? Vivo assim na fronteira da esperança, esperando algo que não posso ver. E haja o que houver, sigo e seguirei uma jornada sem volta, cujos destinos, no entanto, não cabe a mim saber.


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16.10.09

Do fogo

Sou levado a acreditar que, em nossa jornada de vida, o lugar do encontro com o divino é sempre marcado com um fogo. Digo: um fogo que é aceso, um fogo que queima, e um fogo que consome.

Acho interessante que antigos filósofos gregos gostassem de refletir sobre os elementos básicos que compõem a natureza. Terra, água, ar e fogo seriam as raízes de tudo o que existe. Logo, estes elementos básicos seriam inalteráveis por serem independentes. Terra, água, ar e fogo se combinariam para trazer vida e se separariam no momento da morte de qualquer ser vivo.

Dialogando com essa ideia, suponho que o fogo que há em Deus comunica com o fogo que há em nós. Trata-se, no entanto, de um encontro violento. Um encontro selvagem. Todos nós sabemos que com fogo não se brinca. O fim do fogo é sempre trágico: sobe com brilho e cai em cinzas. Tudo vira pó, tudo vira terra. A água se estala no fogo. O ar vira fumaça. Nada pode contra as chamas.

Só que uma hora o fogo se vai. Em algum momento chegará o benfazejo alívio. Afinal, se de um lado temos nossas limitações, nossa contingência, nossas queixas; de outro lado, temos algo que insiste em querer superar esse sentimento ruim de separação, reunindo-nos de volta à Fonte do nosso ser.


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6.10.09

Para falar de limites

Não custa nada repetir. Toda ciência tem lá os seus limites. Pesquisar é, para lembrar de um ditado popular, “pisar em ovos”. Refletir sobre os limites de seu trabalho significa, assim, repensar o próprio ato de pesquisar, a própria atividade de se aproximar de um objeto ou tema para demonstrar sua relevância para a humanidade. Não podemos, por outro lado, cair no risco de limitar aquilo que é “científico”, como se fôssemos capazes de dizer o que está incluído e o que está excluído do conceito de ciência. Afinal, o limite sobre aquilo que é científico é um limite bastante difícil de ser delineado.

Não é de hoje que surgem críticas quanto aos limites da ciência. A literatura já nos ajudou a perceber até que ponto o trabalho científico pode chegar. Alguma vez na sua vida você certamente já ouviu falar de Frankenstein. Este é o nome da primeira obra de ficção científica da história. Isso mesmo. O romance Frankenstein, da autora britânica Mary Wollstonecraft Shelley, pode ser lido como uma crítica à tirania da razão em detrimento da imaginação e do sentimento.

Fala-se isso pensando no protagonista da trama, o cientista Victor Frankenstein — este é o nome de um cientista e não de um monstro, como erroneamente se difunde em filmes e desenhos animados. Na verdade, Victor Frankenstein é um burguês criado no berço do pensamento iluminista. Como estudante de química, ele uniu o mistério medieval e a ciência contemporânea para construir e dar vida a uma criatura, que supostamente seria um modelo ideal de um ser humano. Esta criatura acabou tendo uma aparência tão monstruosa que apavorava todos os que a viam, inclusive o seu criador. Victor Frankenstein pode ser visto como um exemplo de cientista que se vê limitado, pois mesmo que tenha atingido o ponto máximo de seus experimentos, conseguindo dar vida a uma criatura feita de pedaços de cadáveres, ele se assusta com aquilo que criou. Rejeita a criatura e tenta fugir de uma situação que ele próprio iniciou. Qualquer cientista pode vir a enfrentar uma situação-limite semelhante a esta enfrentada pelo doutor Frankenstein.

Afinal, o trabalho científico age de modo parecido com a atitude de Prometeu, que segundo a mitologia grega, se deu mal ao tentar surrupiar o fogo dos deuses. Aliás, o título original da obra de Mary Shelley diz exatamente “Frankenstein ou, o moderno Prometeu”. Ou seja, há relação entre o cientista Victor Frankenstein e a figura mítica grega. O que há de comum entre eles? Os limites.


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