6.10.09

Para falar de limites

Não custa nada repetir. Toda ciência tem lá os seus limites. Pesquisar é, para lembrar de um ditado popular, “pisar em ovos”. Refletir sobre os limites de seu trabalho significa, assim, repensar o próprio ato de pesquisar, a própria atividade de se aproximar de um objeto ou tema para demonstrar sua relevância para a humanidade. Não podemos, por outro lado, cair no risco de limitar aquilo que é “científico”, como se fôssemos capazes de dizer o que está incluído e o que está excluído do conceito de ciência. Afinal, o limite sobre aquilo que é científico é um limite bastante difícil de ser delineado.

Não é de hoje que surgem críticas quanto aos limites da ciência. A literatura já nos ajudou a perceber até que ponto o trabalho científico pode chegar. Alguma vez na sua vida você certamente já ouviu falar de Frankenstein. Este é o nome da primeira obra de ficção científica da história. Isso mesmo. O romance Frankenstein, da autora britânica Mary Wollstonecraft Shelley, pode ser lido como uma crítica à tirania da razão em detrimento da imaginação e do sentimento.

Fala-se isso pensando no protagonista da trama, o cientista Victor Frankenstein — este é o nome de um cientista e não de um monstro, como erroneamente se difunde em filmes e desenhos animados. Na verdade, Victor Frankenstein é um burguês criado no berço do pensamento iluminista. Como estudante de química, ele uniu o mistério medieval e a ciência contemporânea para construir e dar vida a uma criatura, que supostamente seria um modelo ideal de um ser humano. Esta criatura acabou tendo uma aparência tão monstruosa que apavorava todos os que a viam, inclusive o seu criador. Victor Frankenstein pode ser visto como um exemplo de cientista que se vê limitado, pois mesmo que tenha atingido o ponto máximo de seus experimentos, conseguindo dar vida a uma criatura feita de pedaços de cadáveres, ele se assusta com aquilo que criou. Rejeita a criatura e tenta fugir de uma situação que ele próprio iniciou. Qualquer cientista pode vir a enfrentar uma situação-limite semelhante a esta enfrentada pelo doutor Frankenstein.

Afinal, o trabalho científico age de modo parecido com a atitude de Prometeu, que segundo a mitologia grega, se deu mal ao tentar surrupiar o fogo dos deuses. Aliás, o título original da obra de Mary Shelley diz exatamente “Frankenstein ou, o moderno Prometeu”. Ou seja, há relação entre o cientista Victor Frankenstein e a figura mítica grega. O que há de comum entre eles? Os limites.


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4 Comentário(s):

  • At 6 de outubro de 2009 às 11:37, Blogger O Tempo Passa said…

    Limites: difíceis de definir, mais difíceis de se aceitar!

     
  • At 6 de outubro de 2009 às 11:49, Blogger Cleinton said…

    Acho, grande fanuel, que o problema dos limites se impõe quando alcançamos algo e conjecturamos; "poxa, acho que posso ir ainda mais longe nessa empreitada". Vez por outra, acabamos por nos tornar vítimas de nosso próprio "objeto de pesquisa".
    Construimos monstros dos quais gostaríamos de nos livrar pouco tempo depois, porém, tal como no Frankenstein, de Mary Shelley, o "monstro" sempre nos perseguirá, chamando-nos de "pai". É um risco que se corre ao se desejar receber o título de cientista, não é mesmo?
    abraço grande, amigo.

    liberdade, beleza e Graça...

     
  • At 6 de outubro de 2009 às 12:43, Blogger Unknown said…

    Concordo.
    Obrigada. Muito obrigada pela visita.

    Um gesto de amizade para ti.

     
  • At 10 de outubro de 2009 às 14:10, Anonymous Osvaldo Luiz Ribeiro said…

    Desde que o "pós-limite" não seja uma "jogada" da Teologia, não vejo qualquer problema em haver limites para a pesquisa e para as ciências - todas.

    Se a Teologia puser a mão na consciência, e se ela entender-se, mesmo, sem tergiversações e retóricas políticas, que é, em todos os sentidos, empreendimento humano, e apenas humano, também ela tem seus limites - e, é bom dizer, os mesmos, rigorosamente os mesmos que os de todos os homens e mulheres, e de todas as ciências. Teólogos não têm lunetas de nenhuma espécie para o "além" dos limites das ciências...

    A fé? Bem, ela é um mito dançante, para fingir que ultrapassamos os limites... Se assim assumida, é uma estética da alma. Se recalcada a realidade que a constitui, torna-se um estorvo.

    O discurso dos limites das ciências só me parece adequado quando não traduz um política teológica, aquela de preconizar privilégios para os iluminados.

    No mais, pura sabedoria.

    Osvaldo Luiz Ribeiro

     

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