Chamam-me João, só que, a essa altura, o nome não tem importância alguma. Os pés estão grudados no chão. Não dá para levantar o calcanhar. A canela, dura, sustenta os dez quilos que parecem ter cada um dos meus joelhos. Sentindo os braços soltos, resigno-me a levar as mãos aos olhos para espremê-las contra a face, e, após um suspiro capaz de retrair toda aquela parte da cintura ao pescoço, dizer: “Eu só quero não ficar parado.” Ainda não consigo entender por que a cabeça está inchada. Já perguntei a mim mesmo, várias vezes, se o problema não está na sustentação do crânio. A resposta é sempre dúbia e incerta. “Ora, a causa é aquilo que sai, não que entra!”, exclamo após concluir que antes de falar a gente alimenta o corpo. Lembrei então dos livros que comi antes de ser a voz. De sagradas letras não me esquecerei jamais. O ar aqui no deserto me derrete por dentro e por fora, mas a digestão dos rolos proféticos insiste em delongar. Grito debaixo do sol, com o corpo petrificado, porque Isaías tem sido a minha refeição. Nunca sei se quem diz sou eu ou ele. Ontem tive certeza que aquele oráculo me mandou seguir adiante, quando os meus tímpanos ouviram as seguintes palavras: “Voz gritante, construa estradas para alguém passar!” Nesse exato momento, vi águas cristalinas, que, escorridas em meu corpo, molhavam pessoas que neste mundo antes não conheci. De mim saía uma nascente que formava um riacho a perder de vista em todo o horizonte seco. Lá estava tudo o que busco, o caminho para me direcionar nesta terra-de-ninguém, capaz de dar sentido a tudo isso. Porém, o passo não foi dado. Deve ser porque meu nome é João.
Marcadores: Conto