29.11.07

Oratório

Procura-se um oratório. Um lugar da minha casa onde eu possa dedicar-me à oração. A casa da gente tem lugar para tudo, menos para isso. Sinto-me desconfortável orando para o vento, em qualquer espaço ordinário. Nunca oro como queria. Apenas falo, converso e acredito que haja ouvidos.

Lá no interior de Minas Gerais, de onde venho, há nas casas uma casinha de madeira decorada, que eu, nascido em lar protestante, nunca entendi direito para que serve. Achava que era um lugar de guardar o santo, uma espécie de altar, para onde se recorria sempre que quisesse alcançar uma benesse, sem, no entanto, esquecer de acender uma vela. Confesso que nunca vi ninguém fazendo isso. Só confabulava para mim mesmo.

Hoje vejo diferente. Aquele lugar, chamado oratório, era um espaço sagrado da casa. Que coisa linda! Minha casa não tem lugar sagrado. Mas meus conterrâneos conservam aquele espaço, cujo hierônimo também designa uma composição ou um poema de caráter dramático, uma espécie de ópera espiritual. Eu diria: oratório significa a arte de orar. A composição do termo nos revela que, para orar, é preciso ter espaço. Mesmo os de tradição mais iconoclasta, como esse que vos fala, vai sentir falta desse sacro lugar.

Sem oratório não há oração. Creio piamente que o movimento protestante incipiente não queria atirar pedras nos símbolos irresponsavelmente, como fazem muitos hoje. Antes, precisava descobrir no lugar de oratórios um oratório. Sabia-se, claro, que ninguém vive sem oratório, sem um lugar sagrado. Se o oratório não for aquela casinha, vai ser outra coisa. A propósito, em lugar algum a oração vai começar se não houver oratório, pois havendo sagrado exterior, haverá, sempre, sagrado interior.

Escrevi esse texto inspirado no som da voz de Milton Nascimento na seguinte canção:

Ó Deus salve o oratório
Ó Deus salve o oratório
Onde Deus fez a morada
Oiá, meu Deus, onde Deus fez a morada, oiá
Onde mora o calix bento
Onde mora o calix bento
E a hóstia consagrada
Óiá, meu Deus, e a hóstia consagrada, oiá

De Jessé nasceu a vara
De Jessé nasceu a vara
E da vara nasceu a flor
Oiá, meu Deus, da vara nasceu a flor, oiá
E da flor nasceu Maria
E da flor nasceu Maria
De Maria o Salvador
Oiá, meu Deus, de Maria o Salvador, oiá

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20.11.07

Conceitualização da divindade num ambiente de luta das mulheres pela igualdade

Queridos Amigos e Amigas,

É com grande satisfação que divulgo-lhes este artigo de minha autoria, publicado em um importante periódico eletrônico, Netmal in Revista http://www.metodista.br/ppc/netmal-in-revista/netmal02/ppc/netmal-in-revista/. Vocês podem entrar no link e ler outros artigos além do meu. À vontade estejam para comentar aqui as suas percepções. Segue abaixo o resumo do artigo em português, inglês e espanhol.

Resumo: Uma vez que a teologia clássica tem tido dificuldades em responder à realidade concreta das pessoas, em especial das mulheres, algumas teólogas feministas têm proposto uma nova conceitualização da divindade cristã. Embora o conceito de Deus como mãe tenha contribuído neste sentido, há muito que se fazer em prol não apenas de uma emancipação das mulheres, mas da construção de um mundo rumo à igualdade das pessoas, que se dá, por conseguinte, independente de seu sexo.
Palavras-chave: Teologia Feminista, Divindade, Luta das Mulheres, Igualdade

Abstract: Once classical theology has found difficulties for answering to the concrete reality of people, especially women, feminist theology has proposed a new conceptualization of Christian divinity. Although the concept of God as mother has contributed for this task, there are much more to do in order to not only emancipate women but build a world of equality between people, which occurs, eventually, independent of their sex.
Key words: Feminist Theology, Divinity, Women’s Struggle, Equality

Resumen: Como la teología clásica ha tenido dificultades para responder a la realidad concreta de las personas, en especial de las mujeres, algunas teólogas feministas han propuesto un nuevo concepto de la divinidad cristiana. Aunque el concepto de Dios como madre haya contribuido en ese sentido, aún queda mucho por hacer no sólo en favor de la emancipación de las mujeres, sino también a favor de la construcción de un mundo en prol de la igualdad de las personas, condición que acontece, por consiguiente, independientemente del sexo.
Palabras Clave: Teología Feminista, Divinidad, Lucha de las Mujeres, Igualdad.

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14.11.07

A monja

Todos a esperavam. Queríamos conhecer aquela senhora que tem aparecido na televisão vestida de uma indumentária pouco comum aos brasileiros. Ela chega à sala, acabando com a ansiedade de todos e todas. O gesto das duas mãos juntas e da cabeça abaixada ao mesmo tempo demonstra saudação. Quanta cortesia! Demorou quase nada para ouvir a sua voz, tão doce e tão firme. Após uma pequena meditação — pés no chão, ombros retos, respiração profunda uma vez, olhos abertos concentrados em uma direção, dentes e lábios tocando levemente um no outro, e as mãos (ah, as mãos!), a mão direita deveria estar embaixo da mão esquerda, encostando-se, ambas, ao abdômen, “como se segurássemos uma folha de seda”, orienta ela —, a monja iniciou a sua aula.

Que aula! A etimologia desta palavra “aula” remonta o sentido, tanto no latim como no grego, de “pátio de uma casa”. Ou seja, tem mais a ver com um espaço do que com um evento. A aula da monja foi assim, um espaço comum — de uma universidade — que se tornou sagrado. Ela falou como se estivesse num pátio de uma casa, preocupada apenas com o espaço de abertura para o diálogo no qual nos encontrávamos. Uma conversação simples, cheia de ternura e sinceridade. Adepta da religião zen-budista, em momento algum ela se mostrou mais iluminada que qualquer um ali presente. Pelo contrário, revelou suas crises — como todos nós as temos —, crises essas, é preciso dizer, ocorridas tanto na sua atual religião, como na sua religião de origem — o catolicismo. Não foi difícil se identificar com essa mulher.

Tantas eram as perguntas que a identificação sobrepôs à curiosidade. Acreditem. Logo após a aula, fomos, alunos e alunas, almoçar com a monja. Lá a comida teve gosto de inesquecível. Seu sorriso e seu olhar profundo são dignos de memória, principalmente por abrirem a janela de nossa mente para o encontro com uma alteridade, tão diferente da nossa. Como se as eternas diferenciações entre ocidente — éramos todos protestantes e católicos — e oriente estivessem sendo diluídas num simples e profundo bate-papo, que acabara em banquete numa grande mesa, com cadeiras do mesmo tamanho. Oxalá os encontros entre as religiões fossem assim, qual seja, terminassem em comida! Esse ritual sagrado de se alimentar juntos é uma das mais antigas tradições da humanidade. A monja comeu conosco, nós comemos com a monja. Como cristão, guardarei a lembrança deste espaço aberto, que possa assim se manter para que seja sempre sagrado!

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13.11.07

Uma frase

Viver é sentir!

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7.11.07

Reino de Deus e Nirvana

O diálogo entre cristãos e budistas pode ocorrer a partir de dois símbolos contrastantes: o reino de Deus e o nirvana.

O reino de Deus é um símbolo social, político e personalista. Seu conteúdo simbólico tem origem na imagem de um governante que estabelece um reino de justiça e paz em seus domínios. O nirvana, por outro lado, é um símbolo ontológico. Procede da experiência da finitude, da separação, da ignorância, do sofrimento, e, em resposta a tudo isso, da imagem da unidade sagrada de todas as coisas, para além da finitude e do erro, no fundamento último do ser.

Mas há também pontos comuns entre as duas tradições a partir destes símbolos.

Ambos, reino de Deus e nirvana, são baseados em uma avaliação negativa da existência. O reino de Deus se coloca contra os reinos deste mundo, a saber, as estruturas demoníacas de poder que governam a história e a vida das pessoas. O nirvana também se coloca contra este mundo de realidade aparente, mostrando-se como a verdadeira realidade da qual procedem as coisas individuais e para a qual estas coisas estão destinadas a retornar.

Neste diálogo entre cristianismo e budismo, a história tem destaque.

No símbolo reino de Deus, a história não é somente a cena na qual o destino das pessoas é decidido, mas é um movimento no qual o novo é criado e o qual conduz ao absolutamente novo — conferir “novo céu e nova terra” (Ap 21,1). Isso significa que o reino de Deus possui um caráter revolucionário, pois funciona linearmente, visando a uma radical transformação da sociedade.

Não há algo parecido no budismo. Ao invés de se buscar transformar a realidade, busca-se ser salvo da realidade. Por isso, o interesse social observado no budismo contemporâneo só pode proceder do princípio de compaixão, pois do nirvana não se deriva uma crença no novo na história, tampouco um impulso para transformar a sociedade.

A compaixão é o estado no qual quem não sofre por suas próprias condições pode sofrer através da identificação com um outro que sofre. Isso não significa aceitar o outro “apesar de”, tampouco tentar transformá-lo; mas, isso sim, sofrer seu sofrimento por meio da identificação. A compaixão pode ser uma maneira muito ativa de amor, podendo trazer mais benefício imediato a quem é amado do que um mandamento moral a exercer o ágape cristão.

Portanto, conquanto seja possível encontrar alguns pontos comuns entre reino de Deus e nirvana, diferença é a palavra-chave no diálogo entre cristãos e budistas a partir destes dois símbolos contrastantes. Cada símbolo possui sua importância dentro de sua tradição, merecendo, por isso, seu devido respeito. O diálogo, no entanto, pede uma abertura para comparar as diferenças, o que possibilita um aprendizado mútuo.

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