7.11.07

Reino de Deus e Nirvana

O diálogo entre cristãos e budistas pode ocorrer a partir de dois símbolos contrastantes: o reino de Deus e o nirvana.

O reino de Deus é um símbolo social, político e personalista. Seu conteúdo simbólico tem origem na imagem de um governante que estabelece um reino de justiça e paz em seus domínios. O nirvana, por outro lado, é um símbolo ontológico. Procede da experiência da finitude, da separação, da ignorância, do sofrimento, e, em resposta a tudo isso, da imagem da unidade sagrada de todas as coisas, para além da finitude e do erro, no fundamento último do ser.

Mas há também pontos comuns entre as duas tradições a partir destes símbolos.

Ambos, reino de Deus e nirvana, são baseados em uma avaliação negativa da existência. O reino de Deus se coloca contra os reinos deste mundo, a saber, as estruturas demoníacas de poder que governam a história e a vida das pessoas. O nirvana também se coloca contra este mundo de realidade aparente, mostrando-se como a verdadeira realidade da qual procedem as coisas individuais e para a qual estas coisas estão destinadas a retornar.

Neste diálogo entre cristianismo e budismo, a história tem destaque.

No símbolo reino de Deus, a história não é somente a cena na qual o destino das pessoas é decidido, mas é um movimento no qual o novo é criado e o qual conduz ao absolutamente novo — conferir “novo céu e nova terra” (Ap 21,1). Isso significa que o reino de Deus possui um caráter revolucionário, pois funciona linearmente, visando a uma radical transformação da sociedade.

Não há algo parecido no budismo. Ao invés de se buscar transformar a realidade, busca-se ser salvo da realidade. Por isso, o interesse social observado no budismo contemporâneo só pode proceder do princípio de compaixão, pois do nirvana não se deriva uma crença no novo na história, tampouco um impulso para transformar a sociedade.

A compaixão é o estado no qual quem não sofre por suas próprias condições pode sofrer através da identificação com um outro que sofre. Isso não significa aceitar o outro “apesar de”, tampouco tentar transformá-lo; mas, isso sim, sofrer seu sofrimento por meio da identificação. A compaixão pode ser uma maneira muito ativa de amor, podendo trazer mais benefício imediato a quem é amado do que um mandamento moral a exercer o ágape cristão.

Portanto, conquanto seja possível encontrar alguns pontos comuns entre reino de Deus e nirvana, diferença é a palavra-chave no diálogo entre cristãos e budistas a partir destes dois símbolos contrastantes. Cada símbolo possui sua importância dentro de sua tradição, merecendo, por isso, seu devido respeito. O diálogo, no entanto, pede uma abertura para comparar as diferenças, o que possibilita um aprendizado mútuo.

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5 Comentário(s):

  • At 7 de novembro de 2007 às 20:38, Blogger Alysson Amorim said…

    Maravilha, meu caro.

    É o tipo de leitura que mais tem me atraído ultimamente. Você fez um exercício singular e enxuto de comparação destes dois riquíssimos símbolos que muito revelam de suas respectivas cosmovisões religiosas.

    A diferença no modo de compreender a história no cristianismo e no budismo é algo impressionante: a diferença é mesmo a palavra chave, e o aprendizado proveniente desta comparação é enorme. Oxalá, aqui no Ociente, nos abríssemos para compreender a história também neste modelo circular. Não é demais lembrar que grandes atrocidades, por aqui, foram justificadas tendo como base a idéia de uma história linear e progressiva.

    Que Cristo e Buda nos abençõe.

    Quanto a você, nos dê mais destas ricas comparações.

    Abração.

     
  • At 7 de novembro de 2007 às 21:07, Blogger Marlene Maravilha said…

    Aprendi, como sempre, com o post, mas o que me tocou profundamente foi "cada símbolo possui sua importancia dentro da sua tradicäo, merecendo, por isso, seu devido respeito". Respeito é quase tudo, na vida!
    Sinto-me honrada por ter sido linkada neste blog! Deus seja louvado.
    beijo enorme! e um lindo dia!

     
  • At 8 de novembro de 2007 às 04:18, Blogger Deepak Gopi said…

    According to Hindu and Buddhist scriptures each and every human should attain nirvana.
    otherwise he will again fall in to the cycle of birth and rebirths.
    thank you
    Happy divali

     
  • At 8 de novembro de 2007 às 10:48, Blogger Pablo Ramada said…

    Rapaz, há uma linha tênue que separa o Reino de Deus de algumas heresias, e são milhares os que por elas tem sido guiados.

    Deus nos ajude a fazer diferença.

    Abraços

     
  • At 8 de novembro de 2007 às 20:05, Anonymous Anônimo said…

    Felipe,


    Belíssimo texto!

    Mas, o Reino de Deus e o Nirvana não estão, "por definição", no mesmo lugar?!

    Você sempre faz a gente refletir!


    E teu comentário no blog Mude me deixou pensando sobre ele desde ontem.


    Você diz que "como bom mineiro, desconfia que eu tenha o dote de atuar no marketing".

    Juro que não!

    Felizmente, você completa dizendo:

    "No entanto, devo criticar a mim mesmo quando cogito a possibilidade de que suas frases de efeito tenham sido garimpadas de sua própria experiência de vida. Naquele recôndito lugar sagrado, onde só você e você pode mergulhar. Nestas profundezas está alguém lapidado por histórias difíceis de serem narradas em postagens de blog. Por esta razão, vivo negando estes pseudo-julgamentos."


    Muito obrigado!

    Você mora no meu Reino de Deus.

    Abraços, flores, estrelas..

     

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