Reino de Deus e Nirvana
O reino de Deus é um símbolo social, político e personalista. Seu conteúdo simbólico tem origem na imagem de um governante que estabelece um reino de justiça e paz em seus domínios. O nirvana, por outro lado, é um símbolo ontológico. Procede da experiência da finitude, da separação, da ignorância, do sofrimento, e, em resposta a tudo isso, da imagem da unidade sagrada de todas as coisas, para além da finitude e do erro, no fundamento último do ser.
Mas há também pontos comuns entre as duas tradições a partir destes símbolos.
Ambos, reino de Deus e nirvana, são baseados em uma avaliação negativa da existência. O reino de Deus se coloca contra os reinos deste mundo, a saber, as estruturas demoníacas de poder que governam a história e a vida das pessoas. O nirvana também se coloca contra este mundo de realidade aparente, mostrando-se como a verdadeira realidade da qual procedem as coisas individuais e para a qual estas coisas estão destinadas a retornar.
Neste diálogo entre cristianismo e budismo, a história tem destaque.
No símbolo reino de Deus, a história não é somente a cena na qual o destino das pessoas é decidido, mas é um movimento no qual o novo é criado e o qual conduz ao absolutamente novo — conferir “novo céu e nova terra” (Ap 21,1). Isso significa que o reino de Deus possui um caráter revolucionário, pois funciona linearmente, visando a uma radical transformação da sociedade.
Não há algo parecido no budismo. Ao invés de se buscar transformar a realidade, busca-se ser salvo da realidade. Por isso, o interesse social observado no budismo contemporâneo só pode proceder do princípio de compaixão, pois do nirvana não se deriva uma crença no novo na história, tampouco um impulso para transformar a sociedade.
A compaixão é o estado no qual quem não sofre por suas próprias condições pode sofrer através da identificação com um outro que sofre. Isso não significa aceitar o outro “apesar de”, tampouco tentar transformá-lo; mas, isso sim, sofrer seu sofrimento por meio da identificação. A compaixão pode ser uma maneira muito ativa de amor, podendo trazer mais benefício imediato a quem é amado do que um mandamento moral a exercer o ágape cristão.
Portanto, conquanto seja possível encontrar alguns pontos comuns entre reino de Deus e nirvana, diferença é a palavra-chave no diálogo entre cristãos e budistas a partir destes dois símbolos contrastantes. Cada símbolo possui sua importância dentro de sua tradição, merecendo, por isso, seu devido respeito. O diálogo, no entanto, pede uma abertura para comparar as diferenças, o que possibilita um aprendizado mútuo.
Maravilha, meu caro.
É o tipo de leitura que mais tem me atraído ultimamente. Você fez um exercício singular e enxuto de comparação destes dois riquíssimos símbolos que muito revelam de suas respectivas cosmovisões religiosas.
A diferença no modo de compreender a história no cristianismo e no budismo é algo impressionante: a diferença é mesmo a palavra chave, e o aprendizado proveniente desta comparação é enorme. Oxalá, aqui no Ociente, nos abríssemos para compreender a história também neste modelo circular. Não é demais lembrar que grandes atrocidades, por aqui, foram justificadas tendo como base a idéia de uma história linear e progressiva.
Que Cristo e Buda nos abençõe.
Quanto a você, nos dê mais destas ricas comparações.
Abração.