27.8.09

Às favas com Deus

A história de um fracasso. Talvez seja essa a melhor maneira de se referir a uma personagem sagrada mais conhecida pelo que deu errado do que pelo que deu certo em sua vida. Jonas, um nome que sem dúvida não seria precedido por um “São”, caso sua história fosse contada no Novo Testamento.

Mesmo não sendo alguém que podemos classificar como “de sucesso”, não há quem na religião cristã discorde que Deus escolheu aquele “sujeito engolido por um peixe”. Um clichê bíblico já diz que o Senhor não vê como o homem vê. Pois é, ele quis usar Jonas. E ainda bem, porque, como se sabe, com esse missionário às avessas veio não apenas o oráculo, mas também a reação positiva da grande Nínive, que experimentou a epifania do perdão divino.

Cumprir uma missão é quase sinônimo de heroísmo — levante a mão quem nunca se orgulhou em falar de um herói que espalhou a Palavra de Deus em cumprimento a um chamado. Só que o homem cuja biografia virou romance na Bíblia, se é que ele teve endereço aqui na Terra, não voltou para casa com o elixir, após uma longa jornada de dificuldades e tormentas, como acontece com qualquer herói.

Não! Estamos falando de um verdadeiro anti-herói. Um anti-herói que está longe do padrão de perfeição de muitos religiosos. Um anti-herói que, em relação a Deus, age de modo um tanto estranho para o modelo de espiritualidade de hoje: fugindo, aborrecendo-se, irritando-se. Enfim, estamos falando de um ser humano, que, como qualquer um de nós, não é de hoje acumula um histórico de negatividade em sua vida.

Gosto muito da ideia de que salvação tem a ver com saúde. Não porque uma vez salvo, saudável para sempre. Mas porque assim como eu, na minha limitada condição de pessoa, posso ficar doente, carecendo de salvação (significado da palavra saúde), assim também eu, por ser gente, fortuitamente, fujo, me aborreço e me irrito, necessitando, por conseguinte, de saúde assim na terra como nos céus.

Entre doentes, herói não há quem seja. Pelo contrário, nosso bem-estar é completamente fugidio. Presos a uma eterna condição trágica, belamente denominada Queda, estamos todos e todas “mais pra lá do que pra cá”. Se há resgate, esse só pode ser divino mesmo, porque, de nossa parte, não passamos de carne e osso.


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17.8.09

Falar é fácil

Falar é produzir discursos. Viver é produzir vida. Muita gente fala, pouca gente vive. Discursos são vazios, são passageiros e duram pouco. A vida, porém, tem nome e endereço. Silencioso, o seu significado sonoriza sentimentos.

Eu sinto que a Poesia se fez vida e habitou entre nós. Não era só discurso. Seus versos não morreram. Sua escrita mora na areia — o vento bateu e levou. Sua morte virou peça de teatro encenada na teofagia das eucaristias. Por isso, Jesus eu conheço em versos, não em discursos.

Posso até imaginar a fronteira entre o falar e o viver na vida de um homem que questionou Jesus sobre o primeiro mandamento. Esta dúvida discursiva o inquietava. E ainda bem que Jesus escuta as dúvidas. Jesus não condena as dúvidas. Jesus responde às dúvidas.

“Amarás”. A resposta de Jesus começa com o verbo “amar”. A lei de Jesus, o mandamento de Jesus, tudo isso começa com o verbo “amar”. Afinal, “aquele que não ama não conhece a Deus; porque Deus é amor”.

Não adianta falar. É preciso amar. E amar é um ato tão autêntico que é necessário que o advérbio “todo” apareça quatro vezes para expressar a intensidade do verbo “amar”. “Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de todas as tuas forças.”

Ou se ama por completo, por inteiro, ou não se ama. O significado de amar é todo abrangente. Envolve todas as dimensões da vida. Coração, alma, entendimento e forças. Porque esta é a lei de Deus. Amar. Este é o mandamento de Deus. Amar.

Agora, deixe eu parar de falar...


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3.8.09

Para não dizer em outras palavras

«Se colocarmos finalmente de lado o rigorismo na leitura da Sagrada Escritura, poderão ser reconhecidos como genuína história da salvação tantos aspectos do mundo moderno e da nossa contemporaneidade que, para uma mente rigorosamente ‹ortodoxa›, parecem ser puros fenômenos de abandono e distanciamento da religião.»

(Gianni Vattimo. Depois da Cristandade, p. 62s.)

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