26.9.08

Mais um blábláblá sobre religião

A palavra religião tem dois sentidos. O primeiro, diz respeito ao seu sentido organizado, que envolve templos, crenças, movimentos religiosos, símbolos ou idéias sobre Deus, atividades sacramentais e rituais. Se você consultar o dicionário, vai encontrar definições que se aproximam destas características.

Mas ainda há um outro sentido de religião, que significa qualquer coisa que uma pessoa leve a sério na vida. Alguma coisa pela qual você seria capaz de viver e morrer. O meu dicionário chega mais perto disso com uma definição para o vocábulo religião: “Modo de pensar ou de agir; princípios” (Aurélio). Mas esse tipo de sentido nada tem a ver com a linguagem “religiosa”. É tudo aquilo que arrebata alguém para além da sua condição humana.

Se lá em cima, estão todas as religiões organizadas e as espiritualidades, aqui embaixo estão, por exemplo, as artes em geral (pintura, música, literatura, et cetera). É claro que, na prática, o segundo sentido da palavra religião pode ser apropriado politicamente pelo primeiro, seja por uma pessoa, seja por um grupo. Mas o segundo sentido é sempre livre. Ele acontece, com ou sem as instituições, porque as artes são autônomas, enquanto as religiões tendem a ser heterônomas.

Religião tem esses dois sentidos. A nossa vida é uma ponte entre um sentido e outro, entre heteronomia e autonomia, entre religião organizada e outros sistemas de sentido, como as artes.

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18.9.08

Da “nomia”

Alguém já deve ter ouvido ou lido eu dizer algo ruim sobre “moralismo”. (Êta palavra feia!) Na verdade, uso este termo por mera preguiça de simplificar uma longa e inevitável discussão filosófica da moral.

Não sou filósofo, mas, como teólogo, exerço o ofício de ouvir perguntas filosóficas que, a depender do dia, a/s minha/s teologia/s vai/ão se aventurar a dar resposta/s. Hoje poderia tentar responder questões já clássicas como estas que cito gostosamente na versão mineira: “Oncô vim?”, “Oncô tô?”, “Oncô vô?”. No entanto, prefiro refletir sobre a profundidade da resposta moral para a pergunta que, confesso, não sei qual é.

Moral, em curto sentido, diz respeito aos bons costumes sociais, que as pessoas tendem a adotar com vista a algum ideal. Na religião, este ideal tende a ser espiritualizado. É uma conduta comportamental que, no fundo, quer repetir o ato prometéico de tentar roubar algum fogo dos deuses. O objetivo religioso é atingir um estado não-humano capaz de transcender carne e osso até os céus. (Quantos Vieira’s e Newton’s precisaremos para aprender que se jogar coisas para cima elas caem de volta para a Terra?)

Se Prometeu ficou mal na fita, isso também serve para nós. Adão e Eva que o digam! O casal nos ensinou a lógica do “aqui se faz, aqui se paga”. Inauguraram a moral, pegando o que não é seu. A história todo mundo já sabe. Assim como Prometeu havia roubado o fogo do Olimpo, os pombinhos surrupiaram da “árvore do conhecimento do bem e do mal”. Isso significou a entrada de cena da palavrinha “nomos”, ou lei. Para ficar mais fácil, prefiro chamar de “nomia”. Porque ela faz parte de três outras palavrinhas: teonomia, heteronomia e autonomia.

Em Gênesis, antes do banquete sinistro, nada disso fazia sentido. Não havia lei. Tudo era possível, inclusive o surgimento da lei. A fala divina de que não poderia comer do fruto estava mais para descrever o território que proibir o acesso a ele. Tanto é que é dito: “no dia em que dele comer certamente morrerás”. Por certo, a qualquer momento isso iria acontecer.

“Nomia” surge com a dificuldade humana de não saber conviver com a tensão entre forças transcendentes, externas e internas. Depois do Éden, a teonomia, a heteronomia e a autonomia se tornam instâncias antagônicas. Concorrem entre si. O ser humano provou não saber conviver sem a tal da “nomia”. Trocou o Jardim de Delícias pelo Jardim da Lei. O mundo dos deuses (teos), o mundo exterior (heteros) e o mundo interior (autos) passaram a se digladiar para ver quem ganha o prêmio de melhor ditador das leis. O ambiente edênico era propício para a Teologia, a Filosofia e a Poesia; já o pós-edênico, para o Direito.

Reina o “moralismo”, que nada mais é que uma vitória da lei sobre a integridade do Criador, da criação e da criatura. A gente esqueceu que a lei simplesmente não existe. Mesmo assim, ela, não existindo, venceu tudo o que há.

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11.9.08

Graça

Dia desses comentei numa conversa com adolescentes na igreja que a Graça não passa de uma piada divina. A galera riu, principalmente quando descobriu “graça” em “engraçado”.

“Imaginem o perecível não perecer e ainda ter vida eterna...”, empolgadíssimo, argumentava eu. Mais risos. “Graça pura, gente!”, completei.

Aprendi, então, que perde a chance de rir de graça quem não lê Jo 3,16.

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1.9.08

Crente não!

Corre um boato nas igrejas de que o Brasil seria outro caso fosse governado por políticos evangélicos, acreditando que, com isso, Deus seria o protagonista da política tupiniquim. Na verdade, esse comportamento revela o preconceito religioso e uma reação adversa dele decorrente.

Todo mundo sabe que o não-católico brasileiro sempre foi estigmatizado por fazer parte de uma religião diferente, mas, por causa de seu ímpeto conversionista, as pessoas que se aderiram a cristianismos alternativos ao catolicismo são vistas pelo senso comum no mínimo como esquisitas.

O lindo adjetivo “crente”, que significa “aquele que crê” — portanto, aplicável a qualquer pessoa que vivencie uma fé —, tornou-se um rótulo pejorativo para designar adeptos de igrejas que se denominam “evangélicas”.

Lembro-me de uma conversa, quando criança, sobre religiões. Meus colegas diziam que eram católicos e que eu era “crente”. Não entendi nada, mas reagi dizendo: “Eu não quero ser crente não!”

Neste ano de eleição na capital fluminense, um dos maiores redutos das igrejas não-católicas brasileiras, é muito oportuno reafirmar esta resposta infantil: “Crente não!” Faço-o cada vez que vejo um pastor/bispo/apóstolo ao lado de um/a candidato/a, promovendo-o/a como se fosse um/a escolhido/a dos céus para um tão importante cargo público. Faço-o cada vez que saio do templo no domingo à noite e alguém me pára na porta da igreja perguntando se recebo um panfleto de um “irmão”. Faço-o cada vez que vejo o Garotinho, depois de tudo o que ele fez, pregando na TV. Faço-o, enfim, porque sou contra a lógica “crente vota em crente”.

Mas tudo isso não passa de um jogo de reações. Os candidatos e seus correligionários igrejeiros reagem de maneira oportunista ao preconceito social que até hoje ainda sofrem por serem parte de outra religião. Eu reajo por não querer ser parte deste tipo de reação. A política é o pior caminho para o evangélico mostrar que ele tem direito de preferir o culto à missa. Afinal, ali é um ninho de interesses.

Quando a retórica teocrática inerente à tradição cristã se soma ao messianismo tão presente no inconsciente coletivo do país, nós temos um péssimo político que governa em prol do interesse de um grupo religioso hostil. O país e as igrejas perdem. O preconceito religioso se agrava. E regredimos aos tempos tribais. Vota-se naquele que atenda aos interesses de sua tribo/igreja e não nos que estejam dispostos a governar em prol dos interesses comuns.

Já votei assim, mas hoje não voto mais em candidato tribal. Nunca perguntei ao médico a sua religião antes de ser por ele examinado. Por que haveria de fazer isso com um político? Agora, se ele fizer questão de dizer a que tribo pertence, ouvirá minha reação mais infantil: “Crente não!”

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