Crente não!
Todo mundo sabe que o não-católico brasileiro sempre foi estigmatizado por fazer parte de uma religião diferente, mas, por causa de seu ímpeto conversionista, as pessoas que se aderiram a cristianismos alternativos ao catolicismo são vistas pelo senso comum no mínimo como esquisitas.
O lindo adjetivo “crente”, que significa “aquele que crê” — portanto, aplicável a qualquer pessoa que vivencie uma fé —, tornou-se um rótulo pejorativo para designar adeptos de igrejas que se denominam “evangélicas”.
Lembro-me de uma conversa, quando criança, sobre religiões. Meus colegas diziam que eram católicos e que eu era “crente”. Não entendi nada, mas reagi dizendo: “Eu não quero ser crente não!”
Neste ano de eleição na capital fluminense, um dos maiores redutos das igrejas não-católicas brasileiras, é muito oportuno reafirmar esta resposta infantil: “Crente não!” Faço-o cada vez que vejo um pastor/bispo/apóstolo ao lado de um/a candidato/a, promovendo-o/a como se fosse um/a escolhido/a dos céus para um tão importante cargo público. Faço-o cada vez que saio do templo no domingo à noite e alguém me pára na porta da igreja perguntando se recebo um panfleto de um “irmão”. Faço-o cada vez que vejo o Garotinho, depois de tudo o que ele fez, pregando na TV. Faço-o, enfim, porque sou contra a lógica “crente vota em crente”.
Mas tudo isso não passa de um jogo de reações. Os candidatos e seus correligionários igrejeiros reagem de maneira oportunista ao preconceito social que até hoje ainda sofrem por serem parte de outra religião. Eu reajo por não querer ser parte deste tipo de reação. A política é o pior caminho para o evangélico mostrar que ele tem direito de preferir o culto à missa. Afinal, ali é um ninho de interesses.
Quando a retórica teocrática inerente à tradição cristã se soma ao messianismo tão presente no inconsciente coletivo do país, nós temos um péssimo político que governa em prol do interesse de um grupo religioso hostil. O país e as igrejas perdem. O preconceito religioso se agrava. E regredimos aos tempos tribais. Vota-se naquele que atenda aos interesses de sua tribo/igreja e não nos que estejam dispostos a governar em prol dos interesses comuns.
Já votei assim, mas hoje não voto mais em candidato tribal. Nunca perguntei ao médico a sua religião antes de ser por ele examinado. Por que haveria de fazer isso com um político? Agora, se ele fizer questão de dizer a que tribo pertence, ouvirá minha reação mais infantil: “Crente não!”
Felipe,
Belíssimo esse teu artigo!
Deveria ser lido em um programa de TV, para um público maior.
Meu apoio total a estas tuas colocações!
Abraços, flores, estrelas..