1.9.08

Crente não!

Corre um boato nas igrejas de que o Brasil seria outro caso fosse governado por políticos evangélicos, acreditando que, com isso, Deus seria o protagonista da política tupiniquim. Na verdade, esse comportamento revela o preconceito religioso e uma reação adversa dele decorrente.

Todo mundo sabe que o não-católico brasileiro sempre foi estigmatizado por fazer parte de uma religião diferente, mas, por causa de seu ímpeto conversionista, as pessoas que se aderiram a cristianismos alternativos ao catolicismo são vistas pelo senso comum no mínimo como esquisitas.

O lindo adjetivo “crente”, que significa “aquele que crê” — portanto, aplicável a qualquer pessoa que vivencie uma fé —, tornou-se um rótulo pejorativo para designar adeptos de igrejas que se denominam “evangélicas”.

Lembro-me de uma conversa, quando criança, sobre religiões. Meus colegas diziam que eram católicos e que eu era “crente”. Não entendi nada, mas reagi dizendo: “Eu não quero ser crente não!”

Neste ano de eleição na capital fluminense, um dos maiores redutos das igrejas não-católicas brasileiras, é muito oportuno reafirmar esta resposta infantil: “Crente não!” Faço-o cada vez que vejo um pastor/bispo/apóstolo ao lado de um/a candidato/a, promovendo-o/a como se fosse um/a escolhido/a dos céus para um tão importante cargo público. Faço-o cada vez que saio do templo no domingo à noite e alguém me pára na porta da igreja perguntando se recebo um panfleto de um “irmão”. Faço-o cada vez que vejo o Garotinho, depois de tudo o que ele fez, pregando na TV. Faço-o, enfim, porque sou contra a lógica “crente vota em crente”.

Mas tudo isso não passa de um jogo de reações. Os candidatos e seus correligionários igrejeiros reagem de maneira oportunista ao preconceito social que até hoje ainda sofrem por serem parte de outra religião. Eu reajo por não querer ser parte deste tipo de reação. A política é o pior caminho para o evangélico mostrar que ele tem direito de preferir o culto à missa. Afinal, ali é um ninho de interesses.

Quando a retórica teocrática inerente à tradição cristã se soma ao messianismo tão presente no inconsciente coletivo do país, nós temos um péssimo político que governa em prol do interesse de um grupo religioso hostil. O país e as igrejas perdem. O preconceito religioso se agrava. E regredimos aos tempos tribais. Vota-se naquele que atenda aos interesses de sua tribo/igreja e não nos que estejam dispostos a governar em prol dos interesses comuns.

Já votei assim, mas hoje não voto mais em candidato tribal. Nunca perguntei ao médico a sua religião antes de ser por ele examinado. Por que haveria de fazer isso com um político? Agora, se ele fizer questão de dizer a que tribo pertence, ouvirá minha reação mais infantil: “Crente não!”

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11 Comentário(s):

  • At 1 de setembro de 2008 às 14:07, Anonymous Anônimo said…

    Felipe,


    Belíssimo esse teu artigo!

    Deveria ser lido em um programa de TV, para um público maior.


    Meu apoio total a estas tuas colocações!


    Abraços, flores, estrelas..

     
  • At 1 de setembro de 2008 às 14:50, Blogger Thiago Pinheiro said…

    Olá Felipe,
    compartilho do mesmo pensamento. E acredito que essa coisa de "crente votar em crente" faz parte do conjunto de maus-entendidos que vêm se disseminando dentro dos templos.

     
  • At 2 de setembro de 2008 às 00:35, Blogger Janete Cardoso said…

    Oi, Felipe.

    Também não apoio essa idéia.
    Fico incomodada quando vejo que em algumas igrejas, o púlpito é cedido para "os crentes" pedirem votos.

    beijo

     
  • At 2 de setembro de 2008 às 13:37, Blogger Priscilla said…

    Felipe,

    tô respondendo um posts e tomando coragem para escrever um meu depois de tanto tempo...

    Sempre falam que política e religião não se discutem, e você resolveu colocar os dois na mesma roda...

    Concordo e discordo com você (ou talvez concordemos). Não voto mais em candidato por sua religião. Até porque ter religião é fácil, difícil mesmo é manifestar as obras que provêm da fé. Mas acredito que Deus chamou alguns de Seus filhos para entrar na política. Deus chama médicos, advogados, professores, por que não políticos? O que precisamos é ter maturidade espiritual para discernirmos quem é o quê. E não termos medo de errar. Eu, por exemplo, votei no Garotinho na primeira vez em que ele se elegeu governador no Rio. Nunca mais faço isso! Ele não apenas provou ser incompetente politicamente falando, mas, em minha opinião, deu um mau exemplo como cristão. Eu confiei nele, não confio mais!

    O que não podemos é colocar todo mundo no mesmo saco. A política é assim. Temos que votar em quem vai defender nossos interesses na Câmara, na Assembléia, seja lá onde for. E orar por eles (conselho de Paulo), e fiscalizar seus mandatos. É exercício de cidadania.

    Abraços.

    http://beadisciple.wordpress.com

     
  • At 3 de setembro de 2008 às 20:47, Blogger Alysson Amorim said…

    "Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor.", disse-me alguém em tom de repreensão, ao que respondi que é precisamente por isso que não voto em sei lá que pastor.

    A dita bancada evangélica é a coisa mais esquizofrênica do Congresso (a coisa mais esquizofrênica do CONGRESSO! imagina o que seja isso!) É a prova definitiva de que os "crentes" nada tem de missionais (aqueles que se voltam para fora, procurando o interese de todos e não apenas de sua tribo); pelo contrário, são asquerosamente tribais, tribais ao ponto de fazer da política (muito bem definida por Aristóteles como a busca do "bem comum") o espaço em que buscam o bem de sua tribo, em prejuízo de todas as outras, pecadoras por definição.

    Um abraço.

     
  • At 4 de setembro de 2008 às 21:44, Anonymous Anônimo said…

    Relendo.

     
  • At 5 de setembro de 2008 às 19:54, Blogger Mauricio Abreu de Carvalho said…

    Desculpe-me, alguém errou o termo "bancada", que eu saiba desde a Constituinte é "cambada".

     
  • At 5 de setembro de 2008 às 20:37, Blogger Tamara Queiroz said…

    Faço coro, meu querido: CRENTE NÃO!

    Bravíssimo!

    B-joletas

     
  • At 7 de setembro de 2008 às 18:51, Blogger Volney Faustini said…

    A política crentês dos três Ts - voltada pra 'abençoar' as igrejas:
    Terreno, Tijolo e Telhas (segundo dom Robinson - Cristianismo e Política)

     
  • At 10 de setembro de 2008 às 14:52, Blogger Marlene Maravilha said…

    Este artigo está perfeito até nos comentários, até entao!
    Muito bom!!!! Gostei demais e me agrego a esta tchurma!!!
    beijo grande!

     
  • At 11 de setembro de 2008 às 14:29, Blogger juberd2008 said…

    Excelente artigo, Felipe. Devido a tantos abusos em nome da igreja e de Deus, que se houve muitos "crente não". Escrevi um sobre esse assunto no meu blog também.

    Abraço.

     

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