18.9.08

Da “nomia”

Alguém já deve ter ouvido ou lido eu dizer algo ruim sobre “moralismo”. (Êta palavra feia!) Na verdade, uso este termo por mera preguiça de simplificar uma longa e inevitável discussão filosófica da moral.

Não sou filósofo, mas, como teólogo, exerço o ofício de ouvir perguntas filosóficas que, a depender do dia, a/s minha/s teologia/s vai/ão se aventurar a dar resposta/s. Hoje poderia tentar responder questões já clássicas como estas que cito gostosamente na versão mineira: “Oncô vim?”, “Oncô tô?”, “Oncô vô?”. No entanto, prefiro refletir sobre a profundidade da resposta moral para a pergunta que, confesso, não sei qual é.

Moral, em curto sentido, diz respeito aos bons costumes sociais, que as pessoas tendem a adotar com vista a algum ideal. Na religião, este ideal tende a ser espiritualizado. É uma conduta comportamental que, no fundo, quer repetir o ato prometéico de tentar roubar algum fogo dos deuses. O objetivo religioso é atingir um estado não-humano capaz de transcender carne e osso até os céus. (Quantos Vieira’s e Newton’s precisaremos para aprender que se jogar coisas para cima elas caem de volta para a Terra?)

Se Prometeu ficou mal na fita, isso também serve para nós. Adão e Eva que o digam! O casal nos ensinou a lógica do “aqui se faz, aqui se paga”. Inauguraram a moral, pegando o que não é seu. A história todo mundo já sabe. Assim como Prometeu havia roubado o fogo do Olimpo, os pombinhos surrupiaram da “árvore do conhecimento do bem e do mal”. Isso significou a entrada de cena da palavrinha “nomos”, ou lei. Para ficar mais fácil, prefiro chamar de “nomia”. Porque ela faz parte de três outras palavrinhas: teonomia, heteronomia e autonomia.

Em Gênesis, antes do banquete sinistro, nada disso fazia sentido. Não havia lei. Tudo era possível, inclusive o surgimento da lei. A fala divina de que não poderia comer do fruto estava mais para descrever o território que proibir o acesso a ele. Tanto é que é dito: “no dia em que dele comer certamente morrerás”. Por certo, a qualquer momento isso iria acontecer.

“Nomia” surge com a dificuldade humana de não saber conviver com a tensão entre forças transcendentes, externas e internas. Depois do Éden, a teonomia, a heteronomia e a autonomia se tornam instâncias antagônicas. Concorrem entre si. O ser humano provou não saber conviver sem a tal da “nomia”. Trocou o Jardim de Delícias pelo Jardim da Lei. O mundo dos deuses (teos), o mundo exterior (heteros) e o mundo interior (autos) passaram a se digladiar para ver quem ganha o prêmio de melhor ditador das leis. O ambiente edênico era propício para a Teologia, a Filosofia e a Poesia; já o pós-edênico, para o Direito.

Reina o “moralismo”, que nada mais é que uma vitória da lei sobre a integridade do Criador, da criação e da criatura. A gente esqueceu que a lei simplesmente não existe. Mesmo assim, ela, não existindo, venceu tudo o que há.

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16 Comentário(s):

  • At 18 de setembro de 2008 às 20:32, Blogger bete p.silva said…

    Agora que eu já sei o que é moral, oncovô? Pior: com que roupa ovô?

     
  • At 18 de setembro de 2008 às 23:10, Blogger Janete Cardoso said…

    Verdade nua e crua, cansei também.

    “Oncô vim?”, “Oncô tô?”, “Oncô vô?"

    "banquete sinistro"

    kkkkkkkkkkkkk Hoje você tá insPirado. Também, com esses malditos grilhões que insistem em nos amarrar... quanto mais leis, mais transgressões... acho que a autonomia ganha.


    beijão

     
  • At 19 de setembro de 2008 às 04:16, Blogger ROGÉRIO B. FERREIRA said…

    Felipão,

    se entendi bem esse seu texto (que é bem profundo) acho que gostei e tô indo nessa direção, mais longe dos tribunais mais perto de uma pura consciência.

    Abrçs,

    Roger

     
  • At 19 de setembro de 2008 às 10:39, Blogger Bia said…

    Proncovô depois dessa?

    Fique em Deus!

    Bia- Deus e a Menina

     
  • At 19 de setembro de 2008 às 11:17, Blogger O Tempo Passa said…

    Então, concluo que a possível vitória do Criador, da criação e da criatura possibilitará uma vida "moral", sem lei!!!
    E aí, toda vez que opto por fazer algo, não por força da lei, mas por um impulso moral interior, penetro no âmbito da vitória da integridade sobre a Lei!!!
    Tô certo?

     
  • At 19 de setembro de 2008 às 21:35, Anonymous Anônimo said…

    Felipe,

    Talvez o "fogo" que a serpente deu a Eva seja o mesmo que Prometeu teve que roubar.


    Abraços, flores, estrelas..

     
  • At 19 de setembro de 2008 às 22:57, Blogger bete p.silva said…

    Fanuel, voltei para ler com calma, porque no trabalho não dá, é desonestidade para com o empregador (olha a moral aí). Deus não possui ética, assim creio. Deus É. E ponto. É o único momento em que o verbo ser não pede nada após. Eu idealizo uma redenção assim para o ser humano. Quando "formos". E ponto. Não precisaremos de complementação. Então não haverá necessidade de ética, de código, de lei. E isso terá de vir de dentro, não haverá necessidade da maçã, ou do fogo.

     
  • At 20 de setembro de 2008 às 08:20, Blogger Janete Cardoso said…

    Acho que enquanto pertencer à esse sistema, jamais seremos.

     
  • At 20 de setembro de 2008 às 13:40, Anonymous Anônimo said…

    Parabéns pelas reflexões no Blog.
    Abraço.

     
  • At 20 de setembro de 2008 às 15:45, Blogger Unknown said…

    Onde está a moralidade do Ser na Alma ou nos gestos? Poderão os gestos brotar da Alma ou a Alma brotar em cada gesto? É difícil "moralizar" numa sociedade em constante mudança. Convém educar para pensar e Sentir todas as coisas, discernindo o bem do mal...
    Doce bj de encanto,
    Sandra Ferreira,

     
  • At 21 de setembro de 2008 às 13:55, Anonymous Anônimo said…

    Obrigado pela sua visita também no blog: "Libertos Para Pensar". Publiquei hoje algumas coisas legais lá, conto com sua interação maninho, e com a de todos(as) ilustres que participam do seu blog.

    Abraços, do sempre amigo.

     
  • At 21 de setembro de 2008 às 17:05, Blogger Tamara Queiroz said…

    Querido,

    Olha que engraçado:

    Estou dando uma passadela pelos blogs amigos para avisar sobre a mudança da url do meu. Pois, preciso terminar um trabalho de filosofia. Sobre o quê? Ética e moral

    .
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    .
    risos

    .
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    .
    Volta aqui depois.

    B-joletas violetas

     
  • At 22 de setembro de 2008 às 22:51, Blogger Alysson Amorim said…

    Meu amigo,

    Você faz aqui a boa prova que eu precisava para concluir que a beleza é mesmo amoral. É amoral porque anterior a moral, e não porque contrário a ela.

    No Éden, hoje guardado por sensatos anjos armados, a coincidência dos opostos é a unica e assombrosa Lei.

    Abração.

     
  • At 23 de setembro de 2008 às 22:54, Blogger Marlene Maravilha said…

    No princípio era o Verbo, o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus!
    Com certeza eLe já sabia de tudo o que aconteceria.
    Bem falado. Gostei muito.
    beijos

     
  • At 25 de setembro de 2008 às 09:08, Anonymous Anônimo said…

    Olá, graça paz e bem!

    Te indiquei ao premio dardos!

    Parabéns, seu blog é excelente!

     
  • At 26 de setembro de 2008 às 12:34, Blogger david santos said…

    OBRIGADO PELO TEU TEXTO, FELIPE.
    PARABÉNS.

     

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