25.4.08

Não responda!

É possível viver os ideais em que acreditamos? Pelo menos alguém respondeu a essa questão afirmativamente. Assim o fez, porque era o próprio ideal encarnado, habitando entre nós. (No princípio era o ideal, e Deus sempre foi ideal — para lembrar que o logos nunca foi desse mundo; Platão que o diga!)

Lendo Ernest Hemingway (1899-1961) aprendi que um ideal pode se transformar em desilusão. O conto “In Another Country” expressa o fim do idealismo de jovens norte-americanos que se apresentaram como voluntários para servir numa guerra que não era sua. No front, ficaria uma das mais importantes contribuições ianques para a democracia, que inspirou aqueles rapazes a lutar: é preciso unir forças em prol da liberdade de todos os povos.

Na prática isso nunca aconteceu. Ao invés de um mundo livre, criou-se um mundo cada vez mais preso à intolerância na relação com o outro, e escravo de seus próprios artifícios beligerantes, que matam, segregam e produzem o mal muito mais do que dão vida, promovem inclusão e fazem o bem.

Qualquer pensador entusiasta dos ideais iluministas dificilmente imaginaria um mundo tão avançado na tecnologia e tão retrógrado nos relacionamentos humanos. O cúmulo dessa situação pôde ser visto no encontro entre os dois homens mais poderosos do planeta política e religiosamente falando. O presidente George W. Bush disse que “toda vida humana é sagrada”, para se juntar ao Vaticano na luta contra a legalização do aborto. No entanto, parece que a vida das mães, que morrem no lugar do bebê, bem como as vidas inocentes ceifadas nas guerras contra o so-called “terrorismo”, passam longe da sacralidade do mandatário. A Sua Santidade Bento XVI engrossou o coro conservador cristão, que faz cruzada contra o avanço da religião muçulmana no mundo, enquanto quis deixar uma boa impressão ao declarar-se “ansioso” para encontrar-se com “todas as comunidades cristãs e representantes de muitas tradições religiosas” dos EUA. Bento e Bush, católicos e protestantes, política e religião: tão parecidos!

Talvez aquilo que a tradição protestante da qual faço parte melhor contribuiu para a humanidade foi a insistência no princípio de separação entre Igreja e Estado. A partir deste princípio, as democracias modernas buscam construir o ideal de um governo laico. Isso quase nunca foi vivido, nem pela política, tampouco pela religião. Aqueles batistas, anglicanos radicais, inspiram pouco, por exemplo, os batistas do Brasil, que tendem a preferir o fundamentalismo conservador, produzido principalmente no ambiente de uma classe média sulista ressentida até hoje por perder a Guerra de Secessão (1861-1865) para o norte progressista.

Nesse reduto de pessoas, onde até um dia desses queimavam outras pessoas de cor de pele diferente da sua, surgiu um homem que se sacrificou para encarnar o ideal de igualdade, liberdade e fraternidade entre todas as pessoas. Martin Luther King, Jr. (1929-1968), um pastor batista que viveu por uma causa para morrer por ela. Não fez de sua religião uma luta política, mas da luta política sua religião.

“Eu tenho um sonho” (I have a dream), é sua mais emblemática frase. Pessoas que sonham sofrem por viver em prol daquilo que lhes incomoda em sono e acordadas. Não respondem perguntas irrespondíveis, porque são transformadas pela profundidade da própria questão. Luther King não respondeu, mas se incomodou com a pergunta, o que resta a todos nós seres humanos fazer. Lá no Calvário, no entanto, teve um que foi capaz de responder, assumindo assim a própria condição de ideal encarnado, ou melhor, respondido. “E vimos sua glória!”

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6 Comentário(s):

  • At 25 de abril de 2008 às 22:01, Anonymous Anônimo said…

    Não responderei.


    Mas vou ficar pensando... religiosamente.

    Abraços, flores, estrelas!

     
  • At 26 de abril de 2008 às 02:37, Blogger ROGÉRIO B. FERREIRA said…

    Sabe Felipe? Estes textos assim nos desafiam e muito!

    Os ideiais nos frustam por dois motivos: se não os alcançamos nos sentimos derrotados, se os alcançamos nos sentimos sem sentido para viver.

    Você está correto é melhor viver sonhando, como King.

     
  • At 28 de abril de 2008 às 14:23, Blogger Hilton Ribeiro & Fabiana Ribeiro said…

    Este comentário foi removido pelo autor.

     
  • At 28 de abril de 2008 às 14:28, Blogger Hilton Ribeiro & Fabiana Ribeiro said…

    Olá Felipe, me indentifiquei com seu comentário no blog do Pastor Israel e decidi visitar o seu.
    Concordo com seus posicionamentos diante da nação multifaces que é os EUA, guerras em prol de que? Infelizmente não sabemos, porém é claro que não é pela paz.
    Muita hipocrisia dizer "toda vida humana é sagrada".
    Que Deus continue lhe dando muita sabedoria e fico feliz quando vejo homens de Deus tão bem preparados.
    Hilton Ribeiro
    http://discutindoavida.blogspot.com

     
  • At 28 de abril de 2008 às 20:02, Blogger RP: Man of the house said…

    Voltei à Blogosfera

    Conto com a tua visita amiga

    Um abraço,

    O lobo

     
  • At 30 de abril de 2008 às 11:25, Blogger Reinam Ribeiro said…

    Mais do que responder, precisamos saber no que acreditamos, examinar nossas atitudes e correspondê-las à fé que respondemos ter. Vejo essa grande dificuldade a minha volta, uma resposta prática e sincera aos ideais propostos pelo cristianismo. Acho que o motivo é a falta de clareza no entendimento do que é ser cristão, o aceitar Jesus de hoje para muitos se limita no socorro, e a graça concedida para não apenas cremos, mas para também padecermos por Ele ficou esquecida (Fl 1,29).

     

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