Não responda!
Lendo Ernest Hemingway (1899-1961) aprendi que um ideal pode se transformar em desilusão. O conto “In Another Country” expressa o fim do idealismo de jovens norte-americanos que se apresentaram como voluntários para servir numa guerra que não era sua. No front, ficaria uma das mais importantes contribuições ianques para a democracia, que inspirou aqueles rapazes a lutar: é preciso unir forças em prol da liberdade de todos os povos.
Na prática isso nunca aconteceu. Ao invés de um mundo livre, criou-se um mundo cada vez mais preso à intolerância na relação com o outro, e escravo de seus próprios artifícios beligerantes, que matam, segregam e produzem o mal muito mais do que dão vida, promovem inclusão e fazem o bem.
Qualquer pensador entusiasta dos ideais iluministas dificilmente imaginaria um mundo tão avançado na tecnologia e tão retrógrado nos relacionamentos humanos. O cúmulo dessa situação pôde ser visto no encontro entre os dois homens mais poderosos do planeta política e religiosamente falando. O presidente George W. Bush disse que “toda vida humana é sagrada”, para se juntar ao Vaticano na luta contra a legalização do aborto. No entanto, parece que a vida das mães, que morrem no lugar do bebê, bem como as vidas inocentes ceifadas nas guerras contra o so-called “terrorismo”, passam longe da sacralidade do mandatário. A Sua Santidade Bento XVI engrossou o coro conservador cristão, que faz cruzada contra o avanço da religião muçulmana no mundo, enquanto quis deixar uma boa impressão ao declarar-se “ansioso” para encontrar-se com “todas as comunidades cristãs e representantes de muitas tradições religiosas” dos EUA. Bento e Bush, católicos e protestantes, política e religião: tão parecidos!
Talvez aquilo que a tradição protestante da qual faço parte melhor contribuiu para a humanidade foi a insistência no princípio de separação entre Igreja e Estado. A partir deste princípio, as democracias modernas buscam construir o ideal de um governo laico. Isso quase nunca foi vivido, nem pela política, tampouco pela religião. Aqueles batistas, anglicanos radicais, inspiram pouco, por exemplo, os batistas do Brasil, que tendem a preferir o fundamentalismo conservador, produzido principalmente no ambiente de uma classe média sulista ressentida até hoje por perder a Guerra de Secessão (1861-1865) para o norte progressista.
Nesse reduto de pessoas, onde até um dia desses queimavam outras pessoas de cor de pele diferente da sua, surgiu um homem que se sacrificou para encarnar o ideal de igualdade, liberdade e fraternidade entre todas as pessoas. Martin Luther King, Jr. (1929-1968), um pastor batista que viveu por uma causa para morrer por ela. Não fez de sua religião uma luta política, mas da luta política sua religião.
“Eu tenho um sonho” (I have a dream), é sua mais emblemática frase. Pessoas que sonham sofrem por viver em prol daquilo que lhes incomoda em sono e acordadas. Não respondem perguntas irrespondíveis, porque são transformadas pela profundidade da própria questão. Luther King não respondeu, mas se incomodou com a pergunta, o que resta a todos nós seres humanos fazer. Lá no Calvário, no entanto, teve um que foi capaz de responder, assumindo assim a própria condição de ideal encarnado, ou melhor, respondido. “E vimos sua glória!”
Não responderei.
Mas vou ficar pensando... religiosamente.
Abraços, flores, estrelas!