12.9.07

Teologia sincrética

A obra Interfaces da revelação: pressupostos para uma teologia do sincretismo religioso no Brasil, do teólogo paulista Afonso Maria Ligorio Soares, aponta os caminhos para se pensar em uma teologia sincrética no território brasileiro. Seu recorte de pesquisa se concentra na principal expressão daquilo que, conquanto muito controverso, tem se pensado como sincretismo no país, a saber, a religião afro-católica.

A proposta de Soares contribui para uma leitura simpatizante das vantagens de se refletir sobre a possibilidade de uma teologia sincrética, sobretudo quando considera que a fé cristã — católica, no caso — teria muito que aprender no contato com as religiões africanas, não apenas ensinar — catequizar —, como normalmente tem sido sua “pedagogia apressada”, conforme ele constata. A propósito, ele acredita que a revelação não se detém a uma particularidade, mas se abre para o encontro com o outro.

Não é por outra razão que o autor recorre ao conceito do teólogo galego Andrés Torres Queiruga de “inreligionação”, o qual é interpretado como estando na fronteira entre o inclusivismo e o pluralismo. “Inreligionar” seria assumir o fato de que o afro-católico tem o direito de controlar as influências que recebe do catolicismo, podendo responder positiva ou negativamente aos conteúdos desta fé.

A principal vantagem de se pensar em uma teologia sincrética no Brasil resultaria, em concordância com Soares, no desencadeamento de um processo libertador no qual haveria um respeito por parte do catolicismo a uma tradição milenar, como o é a religião afro-brasileira, considerando que esta também possui uma revelação tão importante quanto a católica.

A antiga relação entre dominador — colonizador europeu cristão — e dominado — escravo africano “pagão” — também poderia ser gradualmente atenuada com o reconhecimento da autenticidade das expressões religiosas de origem africana no país, deixando de ser vistas como meros rituais estigmatizados. Isto engendraria uma nova forma de ver a religião africana, que prevalece, desde sua chegada ao Brasil, num processo de escamotagem na sua relação com o catolicismo.

Assim, teologia sincrética, para funcionar, não pode partir preferencialmente do catolicismo, correndo o risco de apenas se chegar a uma “inculturação”, mas deve considerar os traços e o modus vivendi do afro-catolicismo, que já é em si uma expressão de uma possível religião sincrética.

Todavia, uma teologia sincrética pode ser mal vista nem tanto pela sua intenção ousada em se abrir para o outro, mas muito mais pelos resultados que tal encontro pode causar. A começar pelo termo sincretismo que, infelizmente, assumiu historicamente uma conotação pejorativa. É difícil precisar sobre até que ponto esta má fama do conceito não é fruto de um preconceito cristão dominante de pré-julgar o outro a partir de seus próprios ditames. A definição particular do cristianismo fica prejudicada neste sentido, como observa Queiruga no posfácio, bem como a teologia de J. L. Segundo não é capaz de alcançar.

Soares, contudo, fora corajoso em enfrentar o assunto colocando o dedo na ferida da teologia cristã, provocando uma discussão lexical de um vocábulo que a incomoda. A inconveniência de sua proposta está justamente aqui onde há uma emergência, por parte do autor, por se abrir a tal ponto de enxergar como necessária uma reviravolta conceitual. Talvez o fato de o afro-catolicismo estar em “acontecendo”, como diz Soares, cause uma revolta entre os cristãos mais ortodoxos. Mesmo assim, isso não retira o mérito da possibilidade de se construir uma teologia sincrética no Brasil.

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18 Comentário(s):

  • At 12 de setembro de 2007 às 14:30, Blogger Unknown said…

    Doces palavras de agradecimento deixo nas tuas maos pela presença no meu espaço.
    Bj de encanto,
    Papoila Sonhadora,

     
  • At 12 de setembro de 2007 às 14:52, Blogger Pablo Ramada said…

    Sincretismo,

    é um valor pregado pela globalização.

    Como será isso em breve?

     
  • At 12 de setembro de 2007 às 16:27, Blogger Alysson Amorim said…

    Flamengo? Saco de pancada. Desde a Era Zico, diga-se de passagem. Aliás, os times do Rio, com exceção do Vásco, são sofríveis. O Botofogo, por exemplo. Iniciou o campeonato como líder e ali eu já profetizava que não passava de um Botafogo-de palha. As últimas rodadas estão me dando razão. =)

    Vamos CRUZEIRO! Domingo estou pretendendo ir ao Mineirão no clássico.

    Uma passada de olho no post me desperou interesse. Volto para comentar.

    Um forte abraço.

     
  • At 12 de setembro de 2007 às 21:09, Blogger vitorferolla said…

    concordo

    o papel de volta a um acordo, o papel de conversa e respeito é do cristão, visto que a própria mentalidade mulçumana é influênciada a pensar contrário ao cristão (cultura invasiva OCIDENTAL) ;-)

    fica na PAZ

     
  • At 13 de setembro de 2007 às 12:16, Blogger Alysson Amorim said…

    Queimei a língua.

     
  • At 14 de setembro de 2007 às 14:23, Blogger Andreia said…

    Olá!
    Passei para te deixar um abraço!

     
  • At 14 de setembro de 2007 às 21:11, Blogger Elsa Sequeira said…

    Passo para avisar que Domingo 16 de Setembro, é o Dia Global da acção por Darfur, vários paises vão unir as suas vozes...em Portugal o evento terá lugar em Lisboa Concentração no LARGO DO CAMÕES - pelas 18 horas!
    Junta a tua voz a estas vozes!
    beijinhos pa ti e para a «Pri!!!!

     
  • At 15 de setembro de 2007 às 22:08, Blogger Alysson Amorim said…

    Meu caro irmão,

    Digerir seu brilhante texto foi recompesador.

    Foi feito um tremendo esforço neste país para apagar a memória do negro. É lamentável constatar que na abordagem da questão negra em nossa historiografia até mesmo aqueles escritores de tendência marxista (ex. Caio Prado Jr) não foram além do fenômeno jurídico da escravidão.

    Penso que um dos resultados deste esforço foi justamente aquela estigmatização dos rituais religiosos afro-brasileiros e o consequente enfraquecimento da possibilidade real de resistência sempre presente na religião.

    Nunca estudei o tema a fundo (tema, aliás, que me interessa sobremaneira), mas suponho que as religiões afro-brasileiras (o afro-catolicismo, particularmente) possam ser chamadas, para lembrar uma definição de Vittorio Lanternari, de religiões de salvação, "aquelas em que populações oprimidas buscam na realidade espiritual salvação para suas vidas". Conforme o professor João Lupi, as principais religiões de salvação foram precisamente aquelas "que nasceram no seio de povos marginais em relação ao domínio Ocidental (que no século XX representava um Império Universal) e se formaram como dissidências do Cristianismo, ou pelo menos como sincretismos entre o Cristianismo e religiões locais."

    Talvez as religiões mais genuínas sejam aquelas capazes de responder, no dizer de Lupi, "a uma situação de crise de valores, têm profundo enraizamento na sociedade, e possuem uma doutrina nitidamente espiritual e uma verdadeira crença no sagrado – obviamente em graus distintos e modos diversos."

    Ademais, sua advertência quanto a possibilidade de "inculturação" presente em uma teologia sincrética que parta preferencilmente do catolicismo, ou dito de forma mais genêrica, da religião dos vencedores, é assaz relevante.

    Vou tentar colocar a obra em análise neste texto em minha lista de futuras leituras.

    Um caloroso abraço.

     
  • At 16 de setembro de 2007 às 16:52, Anonymous Anônimo said…

    Felipe,

    Teu comentário:

    "E qual o problema de viver trepado em árvores e abanando moscas com o próprio rabo? (rsrsrs)"

    irônico, foi fantástico!


    O problema maior é que não teríamos inventado a internet...


    (Que faz falta até para os macacos... rs!)


    Abraços, flores, estrelas..

    .

     
  • At 16 de setembro de 2007 às 16:57, Anonymous Anônimo said…

    Agora vamos ao teu pos de hoje.


    Teologia sincrética: entre as religiões cristãs, é plasível.

    Incluir as religiões afro-brasileiras, jamais.

    Os respectivos deuses não se misturam...


    Abraços, flores, estrelas..

    .

     
  • At 17 de setembro de 2007 às 08:46, Blogger Vinicius said…

    deus no céu e nois na terra ....
    não entendi rsrs..

     
  • At 17 de setembro de 2007 às 18:39, Blogger Marlene Maravilha said…

    Qquerido amigo e irmäo,
    por certo deixo-te um beijo enorme e a promessa de ler este post inteiro e com amor, depois, para poder aprender, sempre.
    Em Cristo,

     
  • At 17 de setembro de 2007 às 22:32, Blogger Alysson Amorim said…

    Meu caro,

    Me veio a memória um detalhe que gostaria de acrescentar a meu comentário anterior: trata-se de um exemplo que justifica a sua preocupação quanto ao direito do afro-católico de controlar as influências que recebe do catolicismo. Exu é uma divindade ambígua, que em África representava acima e antes de qualquer coisa uma espécie de mediador linguístico entre homens e deuses; algum coisa como um Hermes do panteão grego. Transposto para o Brasil, introduzido nos limites rígidos da moral católica, seu aspecto destrutivo torna-se central. É a justificativa para negá-lo como força demoníaca. Quando muito, Exu é "batizado": sua sexualidade é abafada pelo olhar atento um de Santo Antônio.

    Abração.

     
  • At 18 de setembro de 2007 às 16:12, Blogger Felipe Fanuel said…

    Caro Alysson,

    Devo dizer que seu segundo comentário é um exercício prático de tudo o que você disse no primeiro. Afinal, ao digitar isso aqui você está dando nome aos bois. Eis o grande desafio da teologia sincrética: encarar a necessidade de dizer quem é quem e por que as coisas são como são.

    Bastante entusiasta é a sua análise. Contudo, comparar religiões exige rigor metodológico dos mais acurados. Mesmo assim, a gente sabe, como já foi dito pelo Edson, que os deuses não se misturam. Por isso, toda tentativa de aproximação entre as religiões merece o mais sagrado respeito pelas singularidades de cada tradição de fé.

    Seu exercício, ainda que ousado e criativo, pode revelar uma pressa em misturar um juízo de valor com uma comparação. Ora, se Exu era mediador entre ser humano e divindade, não haveria no catolicismo elementos congêneres? É aí que está o nascedouro do quadro comparativo. Não é na antítese é na similaridade.

    Bom, a gente pode conversar melhor sobre isso, que dá pano para manga.

    Um forte abraço.

    ****

    Aproveito para saudar os Amigos e Amigas!

     
  • At 18 de setembro de 2007 às 22:35, Blogger Alysson Amorim said…

    Caríssimo,

    Não tenho dúvidas quanto ao rigor metodológico exigido na religião comparada. Longe de mim alçar-me a cientista das religiões.
    Não passo de um aventureiro que não deve ser levado muito a sério. Um peladeiro, para usar a sempre boa e eficiente linguagem do futebol (este esporte que me enchou de alegria na semana que se foi; semana de focas rejubilantes e galinhas defuntas).

    Um bom papo sobre assunto tão instigador será muito bem-vindo.

    Abração.

     
  • At 19 de setembro de 2007 às 15:04, Blogger Marlene Maravilha said…

    Continuo passando e deixando beijos e o desejo que estejas em paz!

     
  • At 26 de setembro de 2007 às 20:34, Blogger Mentoria Espiritual said…

    Olá Felipe...
    Este tema é muito interessante. Acredito que o Catolicismo já passou pela experiência do sincretismo. Agora, chegou a vez das igrejas evangélicas.
    Um grande abraço
    Neuber Lourenço

     
  • At 26 de setembro de 2007 às 23:47, Blogger Felipe Fanuel said…

    Com certeza, Neuber! As igrejas neopentecostais já são exemplos práticos de que o protestantismo latino-americano está vivendo o fenômeno do sincretismo atualmente.

    Obrigado pela visita!

    Forte abraço.

     

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