Teologia sincrética
A proposta de Soares contribui para uma leitura simpatizante das vantagens de se refletir sobre a possibilidade de uma teologia sincrética, sobretudo quando considera que a fé cristã — católica, no caso — teria muito que aprender no contato com as religiões africanas, não apenas ensinar — catequizar —, como normalmente tem sido sua “pedagogia apressada”, conforme ele constata. A propósito, ele acredita que a revelação não se detém a uma particularidade, mas se abre para o encontro com o outro.
Não é por outra razão que o autor recorre ao conceito do teólogo galego Andrés Torres Queiruga de “inreligionação”, o qual é interpretado como estando na fronteira entre o inclusivismo e o pluralismo. “Inreligionar” seria assumir o fato de que o afro-católico tem o direito de controlar as influências que recebe do catolicismo, podendo responder positiva ou negativamente aos conteúdos desta fé.
A principal vantagem de se pensar em uma teologia sincrética no Brasil resultaria, em concordância com Soares, no desencadeamento de um processo libertador no qual haveria um respeito por parte do catolicismo a uma tradição milenar, como o é a religião afro-brasileira, considerando que esta também possui uma revelação tão importante quanto a católica.
A antiga relação entre dominador — colonizador europeu cristão — e dominado — escravo africano “pagão” — também poderia ser gradualmente atenuada com o reconhecimento da autenticidade das expressões religiosas de origem africana no país, deixando de ser vistas como meros rituais estigmatizados. Isto engendraria uma nova forma de ver a religião africana, que prevalece, desde sua chegada ao Brasil, num processo de escamotagem na sua relação com o catolicismo.
Assim, teologia sincrética, para funcionar, não pode partir preferencialmente do catolicismo, correndo o risco de apenas se chegar a uma “inculturação”, mas deve considerar os traços e o modus vivendi do afro-catolicismo, que já é em si uma expressão de uma possível religião sincrética.
Todavia, uma teologia sincrética pode ser mal vista nem tanto pela sua intenção ousada em se abrir para o outro, mas muito mais pelos resultados que tal encontro pode causar. A começar pelo termo sincretismo que, infelizmente, assumiu historicamente uma conotação pejorativa. É difícil precisar sobre até que ponto esta má fama do conceito não é fruto de um preconceito cristão dominante de pré-julgar o outro a partir de seus próprios ditames. A definição particular do cristianismo fica prejudicada neste sentido, como observa Queiruga no posfácio, bem como a teologia de J. L. Segundo não é capaz de alcançar.
Soares, contudo, fora corajoso em enfrentar o assunto colocando o dedo na ferida da teologia cristã, provocando uma discussão lexical de um vocábulo que a incomoda. A inconveniência de sua proposta está justamente aqui onde há uma emergência, por parte do autor, por se abrir a tal ponto de enxergar como necessária uma reviravolta conceitual. Talvez o fato de o afro-catolicismo estar em “acontecendo”, como diz Soares, cause uma revolta entre os cristãos mais ortodoxos. Mesmo assim, isso não retira o mérito da possibilidade de se construir uma teologia sincrética no Brasil.
Doces palavras de agradecimento deixo nas tuas maos pela presença no meu espaço.
Bj de encanto,
Papoila Sonhadora,