Um livro chamado Frankenstein
Frankenstein, obra-prima da escritora inglesa Mary Wollstonecraft Shelley (1797-1851), é um clássico daquela literatura que busca dialogar com a ciência, porque provoca uma reflexão crítica sobre os limites do conhecimento científico. Considerada uma obra do século dezoito, mesmo tendo sido publicada no início do século dezenove, esse livro emerge como uma crítica à tirania da razão em detrimento da imaginação e do sentimento. O romance, que utiliza uma estrutura epistolar, mantém a estratégia da literatura gótica de propor que o que está sendo lido aconteceu realmente.
Através de uma série de cartas à sua irmã, o capitão Robert Walton descreve sua obcecada tentativa de alcançar o Pólo Norte, bem como seu encontro com Victor Frankenstein. Dentro deste cenário, dá-se o relato do jovem cientista Frankenstein, quem conta para Walton a história de como ele criou e abandonou um monstro, feito de pedaços de cadáveres. Esta criatura, ao perceber que não é aceita na sociedade, vinga-se de seu criador, que também lhe nega o direito de ter uma companheira. Frankenstein sofre as conseqüências de sua decisão, pois, além de ver sua família toda morta, ele chega morrer de exaustão no final. Walton, enfim, encontra-se com a criatura disposta a tirar a sua própria vida, porque perdera seu pai. Comovido por esta história, o capitão volta para casa, e abandona o ambicioso plano de chegar às geleiras setentrionais.
O texto surge a partir de um pesadelo da autora, em que ela vê seu bebê voltar à vida depois de morto, razão pela qual, inevitavelmente, este trabalho reflete traços biográficos de Shelley, confluindo seus fantasmas, traumas e influências. As discussões sobre o mistério da vida e as últimas descobertas sobre eletricidade, tão características da época em que foi escrito, estão também presentes no romance.
Tendo sido objeto de análises psicológicas, científicas, marxistas, de gênero e pós-colonialistas, revelando sua vocação vanguardista, Frankenstein surgiu de uma competição na casa do poeta inglês Lord Geoge Gordon Byron, em Genebra, onde ele e o casal Mary e Percy Shelley decidiram que cada um escreveria uma história de terror, inspirados em outras tramas congêneres alemãs. O principal resultado deste encontro literário foi esta obra de Mary, cujo propósito está expresso nas suas seguintes palavras — sintam, pois, o gostinho:
Eu me dediquei a pensar numa história — uma história para competir com aquelas que nos incitaram a esta tarefa [de escrever uma história de terror]. Que falasse aos misteriosos medos da nossa natureza e despertasse um horror emocionante — para fazer o leitor temer olhar em volta, coagular o sangue, e acelerar as batidas do coração. Se eu não fizesse essas coisas, minha história de terror não seria digna deste nome.
Marcadores: Literatura
Felipe,
Confirma a tese sustentada por Jung e mais recentemente por Joseph Campbell: todas as histórias da humanidade, da "Divina Comédia" de Dante a este "Frankenstein" de Shelley, todas elas nascem de uma fonte comum: a psiquê humana, com seus sonhos e pesadelos.
Mitos e histórias são exteriorizações destas aventuras interiores. Como diria o poeta: "Dormir é acordar para dentro."
Shelley, ao criticar a "tirania da razão em detrimento da imaginação e do sentimento" intuía o que Freud iria sistematizar anos depois. Em um ser condicionado pelo inconsciente a razão é apenas uma das formas de explicar a relidade, tão limitada quanto as outras.
O que seria de nós sem os poetas.
Abração, camarada. Uma ótima semana