24.7.07

Made in Brasil [sic]

O advento da modernidade na quinta maior extensão de terra do planeta é um processo contraditório. Se, por um lado, há interesse público em buscar, a qualquer custo, perseguir a ideologia do desenvolvimento, por outro, vez ou outra, surgem ranços de costumes demasiadamente arraigados que caminham contra o famigerado progresso. Ocorre, pois, uma relação estreita entre o tradicional e o não-tradicional na história do Brasil.

Tal hibridismo é observável em diversas esferas da sociedade brasileira. A começar da mal-afamada política, onde se ceva o pretensioso discurso desenvolvimentista — que já é coisa obsoleta falar em desenvolvimento num país de tanta desigualdade social —, mas também é onde se dão as bem-conhecidas falcatruas, levando o eleitorado tupiniquim a adotar como princípio político o “rouba, mas faz”. A religião, que sempre tem sido um nascedouro de inovadores movimentos sociais em prol da igualdade entre as pessoas, é a mesma que troca sua voz profética pelas tentações dos tradicionalismos, populismos, curandeirismos, fanatismos, fundamentalismos, emocionalismos, escapismos, proselitismos, e outros ismos mais. A imprensa também tem sua contribuição neste retrocesso, porque, malgrado conserve o espírito satírico de denunciar as injustiças sociais, não sai do oportunista posto de se achar a salvadora da pátria por ficar “cozinhando” um assunto dias e mais dias, enterrando e ressuscitando-o conforme seus interesses de cor marrom. A universidade, guardiã do pensamento crítico-vanguardista, despreza a possibilidade de abrir suas portas para os menos favorecidos, alegando perda de qualidade, como se o capital cultural das elites tivesse contribuído com alguma coisa melhor para o país senão aumentar o abismo entre ricos e pobres. O povo também não é inocente nem um pouco, porque sonha em transformar o país em primeiro mundo, mas adora tirar proveito dos furos da máquina corrupta, querendo sonegar impostos, descumprir regras e ainda alimenta a utopia de que um dia virá um messias para transformar o Brasil na maior potência mundial.

O fato é que queremos entrar e sair da modernidade arbitrariamente. Este paradoxal movimento é o que faz a nação ser o que é, parafraseando o Roberto da Matta. Incerteza é palavra-chave no inconsciente coletivo nacional, pois entra e sai governo, a sensação é de que fica tudo do mesmo jeito, embora haja algum ensaio de mudança. Afinal, modernidade à brasileira não pode incorporar o “z” não-tradicional no lugar do “s” tradicional, em que pese termos orgulho de dizer “Made in” ao invés de “Feito no”. Portanto, se virem Made in Brasil — com “s” mesmo — por aí, não estranhem, porque é a evidência do nosso hibridismo, tão moderno e tão pré-moderno ao mesmo tempo, é o pastiche e a bricolagem que, juntos, se confluem... Acreditem: ainda há quem fale em pós-modernidade nestas terras!

Marcadores:

7 Comentário(s):

  • At 24 de julho de 2007 às 18:19, Blogger RP: Man of the house said…

    Passei à pressa por aqui só para agradecer o elogio e dizer que continuarei a visitar, mas não a publicar... Ando em novos projectos profissionais nos quais porei em prática o que aprendi com quem me visitou e que me poderão dar novas questões para quem sabe um dia vir até aqui partilhar...

    Acerca do meu "brilhantismo" não acho que o tenha mas farei por o ter no futuro...

    Um abraço amigo

     
  • At 25 de julho de 2007 às 04:52, Blogger Exemplo AVERA said…

    Cara, muito tempo sem passar por aqui!
    Muito tempo sem novos posts no nosso blog tbm.
    Começamos a fazer shows e somado aos trabalhos individuais de cada um do grupo, o tempo encurtou.
    Mas é bom passar por aqui e ver que a rlevancia continua sendo "polpa pura" por aqui.
    Realmente,os Brasileiros precisam pensar, repensar e agir de forma diferente sem esse cinismo agudo.

    Um abraço irmão

     
  • At 25 de julho de 2007 às 10:31, Blogger Alysson Amorim said…

    Camarada,

    Hibridismo é um nome perfeito para definir esta mal amada pátria. Somos a nossa conveniência imediata: feudais quando se trata de proteger o latifúndio, modernos quando se trata de defender o agro-negócio. Assim como outrora éramos escravagistas para a economia não estagnar e anti-escravagistas para inglês ver. A Constituição de 1822, na esteira da tradição liberal, afirmava o princípio da igualdade, rechaçado no mundo da vida. A abolição (melhor dizendo, o golpe final da sacanagem, talvez o mais sacana deles) só veio em 1888.

    Machado de Assis, em sua maestria, conhecia muito bem este hibridismo. Denunciou-o em seus romances. E pensar que hoje recebe de um sem número de críticos a pecha conservador.

    Tal lógica, como você mostrou muito bem, se repete ainda hoje em todos os setores da sociedade. Nossa secular herança maldita.

    Abração

     
  • At 26 de julho de 2007 às 20:16, Blogger Elsa Sequeira said…

    Querido felipinho!!

    Como tens o dom de jogar com as palavras, adoro ler-te amiguinho!!!


    (E não te esqueças da nossa dupla ecuménica!!!! rsrsrs)

    beijitos!!!

     
  • At 26 de julho de 2007 às 21:26, Anonymous Anônimo said…

    O Brasil só foi pós-moderno em 1822.

    E deixou de sê-lo em 1824.


    Tu ensaio de hoje está perfeito!


    Abraços, flores, estrelas...

     
  • At 27 de julho de 2007 às 14:31, Blogger DE-PROPOSITO said…

    A vida é mesmo assim. Um mundo de desigualdades. E são elas que geram muitas coisas, até negócios chorudos. Violência gera violência, e a partir daí dá movimento a muita coisa 'fabrico de armas, forças repressivas, gestores do terror, etc'.
    Fica bem.
    Um abraço.
    Manuel
    Obrigado pela visita, e pelas amáveis palavras.

     
  • At 28 de julho de 2007 às 09:45, Blogger Andreia said…

    Olá!

    Voltei!

     

Postar um comentário

<< Home