24.1.07

Teologia Metafórica

Partindo do pressuposto de que toda teologia é fundamentalmente metafórica, Sallie McFague propõe, em seu livro Modelos de Deus: teologia para uma era ecológica e nuclear (Paulus, 1996), um caminho diferenciado de se fazer teologia — e entendê-la — a partir de uma lente focada em construção de metáforas. As parábolas de Jesus são exemplos bíblicos de como se comunicar através de novas formas de linguagem, as quais já constituem um precioso arcabouço para a produção de uma teologia metafórica. Contudo, McFague alerta para o risco do uso atual de antigas e famigeradas metáforas oriundas de uma cultura patriarcal e monárquica, as quais constituem, para ela, o principal problema da teologia contemporânea. Sua sugestão é que se substitua criticamente tais conceitos por outros mais relevantes a uma era ecológica. Adentrar no universo parabólico do suposto discurso de Jesus no Novo Testamento é, neste sentido, ler e reler todo conteúdo metafórico ali presente de maneira a atualizar conceitos-chave para uma teologia relevante nos dias de hoje.

A proposta básica de substituição conceitual passa pelo crivo do entendimento do mundo como corpo de Deus, onde há uma relação íntima entre a divindade e o ser humano. Assim, propõe-se como crucial uma mudança na designação divina. Ao invés de visualizar Deus como "pai" ou "senhor", sugere-se os termos "mãe", "amante" e "amigo", os quais seriam mais coerentes com a necessidade atual de se integrar o divino e o ser humano. Uma teologia metafórica deve partir desta preocupação em lidar com os termos de maneira consciente das implicações de seu uso. O critério necessário é o de atualizar a mensagem da parábola com o rigor de evitar com que o significado seja alterado em detrimento do significante. Em outras palavras, desconfiar de conceitos marcadamente relacionados a uma cultura ou época diferentes de seus interlocutores, para os quais se está falando.

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10 Comentário(s):

  • At 25 de janeiro de 2007 às 20:10, Blogger Tamara Queiroz said…

    Olá, Felipe!

    Agradeço pelo seu carinho no meu blog.

    Lendo a Teologia Metafórica lembrei-me do:

    Deus

    EU

    Que se descermos o "D" e o "s" ficará:

    eu

    DEUs

    Ou seja, eu estou em Deus e Deus em eu {rs}...

     
  • At 26 de janeiro de 2007 às 08:29, Blogger Caio Kaiel said…

    Olá Felipe, obrigado pela visita e pelo comentário.

    Li "Teologia Metafórica" e lembro do quanto o relacionamento entre as pessoas e Deus está em crise, digo, a "religião" está falida.
    Possivelmente não porque temos problemas com os nomes a serem chamados, mas exatamente pela Pessoa que não é chamada...

    Abraço!

     
  • At 26 de janeiro de 2007 às 10:22, Blogger Alysson Amorim said…

    Felipe,

    Não tenho dúvidas que esta atualização de conceitos é necessária (e urgente!) na teologia. Mas claro, sem deixar que tal processo sirva como meio para deturpar a essência da teologia cristã.

    É sempre bom acompanhar seus textos.

    Abração.

     
  • At 26 de janeiro de 2007 às 14:16, Blogger Felipe Fanuel said…

    Tamara,
    Ótima percepção! Isso prova o quão humano Deus é. Afinal, é falácia acharmos que o transcendente é uma força distante que fica observando as coisas acontecerem aqui embaixo. Cada vez que olhamos para dentro e para além de nós mesmos, temos certeza do quanto o sagrado se revela como imanente. "Eu em Deus e Deus em eu". É isso aí!

    Caio,
    É verdade! A idéia de Deus está tão desgastada que as pessoas se afastaram da singeleza da espiritualidade. Não suportamos a idéia de uma divindade pessoal, porque ainda somos viciados na rançosa idéia de que o ser humano é por demais profano para se achegar ao sagrado. Nessas horas, as pessoas acham melhor optar por uma espiritualidade mais "dionisíaca" (de Dionísio), ou seja, algo que seja mais irracional do que racional, já que Deus se tornou uma idéia bastante pesada. Aqui a palavra de ordem é o êxtase, pois o importante mesmo é sentir algo independente do que for. O problema não é chamar, mas quem chamar.

    Alysson,
    Entendo sua preocupação. O pensamento cristão sempre foi caracterizado tanto por fomentar várias tendências ideológicas dentro de si, criando uma pluralidade de idéias, quanto por tentar definir, através de um pouco de cada idéia, a verdadeira idéia. Daí surge o rótulo heresia, que, a rigor, acaba sendo um esforço em tornar única apenas uma idéia. Neste sentido, a moderna tendência fundamentalista seria um exemplo de heresia hoje em dia. Eu diria que a essência da teologia cristã é ser plural, dialogal e inclusiva. Quando João tem a brilhante idéia de dizer que o "Logos" se fez carne, ele estava dizendo um absurdo num mundo que não concebia a idéia de Deus presente no mundo a não ser via demiurgo — ou um semideus. Lugar de "Logos" era no mundo das idéias. Essa maneira joanina de agir foi uma das tentativas de incluir mais uma, entre muitas, das explicações sobre o controverso Cristo. Incluiu-se, em diálogo com a filosofia helênica, o termo "Logos"... Este é um exemplo de teologia metafórica!


    Forte abraço a todos!

    Fico muito feliz com a presença de visitantes tão ilustres. :)

     
  • At 27 de janeiro de 2007 às 10:49, Blogger Gustavo Nagel said…

    Não entendi bem o que o autor quis dizer por teologia "fundamentalmente metafórica". Por uma lado, eu penso que qualquer pensamento é fundamentalmente metafórico, ou melhor, uma boa compreensão de algo passa pelo caminho da metáfora, da analogia; por outro, percebo uma certa diminuição da capacidade teológica; parece que autor sugere uma regressão quando aponta para esse caráter "fundamental" da teologia. Digo isso porque não vejo Jesus fazendo teologia, isto é, Jesus não fez aquilo que a gente entende hoje por teologia. Dessa forma, propor um retorno ao método "teológico" de Jesus acaba sendo uma diminuição das possibilidades. O que quero dizer é: tomemos São Paulo como exemplo: quão metafórica foi a teologia dele?

    E discordo veementemente da seguinte premissa: "entendimento do mundo como corpo de Deus". Esse pesnamento filosófico apresentado por Plotino não é, rigorosamente falando, cristão. O cristianismo, apoiado no judaísmo, faz total separação entre Deus e o todo o cosmos criado. Em última análise, uma creatio ex nihilo sui et subjecti não é uma extensão de Deus, uma emanação de Deus, muito menos o "corpo de Deus". Só nessa aí o sujeito perdeu toda a credibilidade. Acrescento apenas que não vejo necessidade desse panteísmo, quando muito panenteísmo, para a justificação da ecologia, que parece ser a preocupação do autor em questão. Eu nem entro no mérito das propostas dele, que nem me parecem tão nocivas, mas as bases são, essas sim, bastante equivocadas. A segundo chega a ser extremamente inconveniente.

    Abração.

     
  • At 27 de janeiro de 2007 às 12:16, Blogger Gustavo Nagel said…

    "Eu penso que qualquer pensamento", hehe.

     
  • At 27 de janeiro de 2007 às 18:03, Blogger Felipe Fanuel said…

    Amigo Nagel,

    Que prazer receber uma contribuição sua!

    Bom, o objetivo da senhora Sallie McFague é prover uma nova maneira de se pensar a teologia sistemática a partir de uma radical reorientação dos temas cristãos básicos baseados em novos modelos que sejam mais relevantes para o nosso tempo. Esse esforço de atualizar os conceitos da teologia constituiria a produção de uma teologia metafórica.

    Sim! Todo pensamento seria potencialmente metafórico, isto é, mais subjetivo do que objetivo — muito embora haja quem defenda um modo de pensar baseado num cientificismo puramente objetivista, que buscaria se afastar da abstração na medida em que se achega a uma concretude pragmática.

    No geral, a teologia sempre lidou bem com as metáforas. Contudo, para a autora, que é uma mulher — desculpe a redundância —, o conteúdo metafórico usado pelos cristãos hoje em dia carece de uma revisão radical. Adotando um critério cético, relativista, profético e iconoclasta, ela interpreta as metáforas antigas como proveniente de uma cultura patriarcal e monárquica, sendo, portanto, obsoletas para o mundo atual.

    As parábolas de Jesus foram citadas para ilustrar um exemplo bíblico de se comunicar através de novas formas de linguagem. Concordo com vc: Jesus, de maneira alguma, fez aquilo que chamamos de teologia. Antes, acredito que ele tenha dado o método parabólico de se inserir novos conceitos para se comunicar uma mensagem.

    Ao meu ver, Paulo recorreu ao conteúdo metafórico do mundo helênico, casando-o com as metáforas judaicas. Sua teologia é 100% metafórica.

    O ponto é o seguinte: não há teologia sem metáforas. A senhora McFague propõe uma atualização radical das metáforas a partir de conceitos mais aproximáveis da maneira que as pessoas pensam hoje, a saber, sem patriarcalismo. Para levar esta proposta até as últimas conseqüencias, precisaremos mexer com conceitos-chave como Deus.

    Como vc bem percebeu, o risco de cair num panteísmo é grande, sobretudo quando se pensa em ecologia. O mundo como corpo de Deus é ser radical na idéia da imanência divina. Isso, com certeza, vai ser incoveniente a ouvidos mais simpatizantes com e defensores do transcendentalismo de Deus.

    É entendível vc achar tais propostas incovenientes, mas não tanto como equivocadas. Se vc entende que são equivocadas a partir do pressuposto de que a teologia não deve mudar suas metáforas, tudo bem. No entanto, a proposta é clara:

    "substitua criticamente tais conceitos por outros mais relevantes a uma era ecológica.(...) ler e reler todo conteúdo metafórico de maneira a atualizar conceitos-chave para uma teologia relevante nos dias de hoje.(...) Em outras palavras, desconfiar de conceitos marcadamente relacionados a uma cultura ou época diferentes de seus interlocutores, para os quais se está falando."

    Obrigado pelo comentário, Gustavo!
    Seja sempre bem-vindo!
    Forte abraço.

     
  • At 27 de janeiro de 2007 às 19:52, Blogger Gustavo Nagel said…

    Pensei que fosse homem, hehe.

     
  • At 28 de janeiro de 2007 às 11:59, Blogger Tamara Queiroz said…

    Exatamente, Fanuel, isto prova o quanto ele é humano e no quanto somos divinos. Juntos somos a própria força. Não é à toa que temos o "poder" de mudar o curso...

    PS: Faltaaté fôlego ler o seu perfil {rs}.

     
  • At 28 de janeiro de 2007 às 14:39, Blogger Felipe Fanuel said…

    Opa! Bom te ver aqui de novo, Tamara.

    Sim! Assumir essa realidade é, com certeza, um salto de fé, uma decisão existencial. Aliás, existencialmente somos eternos dependentes de bengalas nas quais apoiamos nossas incertezas. Precisamos abandonar essas bengalas e aprender a andar com as próprias pernas. Entender e aceitar a humanidade divina e a divindade humana é, nesse sentido, uma virtude.

    Obrigado pela consideração.
    Um abraço amigo. :-)

     

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