Um pedaço de William Wordsworth (1770-1850): tentei traduzir o que jamais se poderá traduzir
De elevados pensamentos; um senso sublime
De algo mui profundamente interfundido,
Cujo lar é a luz dos pores-do-sol,
E o redondo oceano e o vivente ar,
E o céu azul, e na mente do homem.
A presence that disturbs me with the joy,
Of elevated thoughts; a sense sublime
Of something far more deeply interfused,
Whose dwelling is the light of setting suns,
And the round ocean and the living air,
And the blue sky, and in the mind of man.
(Tintern Abbey: linhas 94-9)
O tradutor é um traidor, já dizia um ditado que dizem ser da Itália (traduttore, traditore). Aqui não quero fazer as vezes de ninguém senão a de alguém que recebera o impacto de um pedaço de um dos grandes poetas do Romantismo inglês. Sim, um pedaço dele, William Wordsworth, aquele quem insistia que a linguagem da poesia deveria ser a linguagem dos homens e mulheres comuns, encontrada no discurso de camponeses — rural people. Aliás, eu só pude me intrometer a passar para o português estes versos por ele ter sido contra a tal da dicção poética — "poetic diction". Chamo de pedaço não apenas por ser uma parte de toda sua poesia, mas pelo fato de Wordsworth acreditar que o poeta era um profeta, o qual tinha a tremenda responsabilidade de esconder os mistérios do coração e da vida. É isso: nosso poeta escondera os outros pedaços do mistério e nos revelara apenas uma parte daquilo que cabe a qualquer outro mortal tentar descobrir. Ele vai além e crê que o poeta é aquele que dá significado à vida, não um mero embelezador dela, como muitos supõem. Por esta razão, os românticos transformaram a poesia em uma vocação, deixando de ser um simples hobby. Nunca poderei traduzir o mistério para o qual Wordsworth dera significado, porque ele fora o único a encontrar o que quiçá nenhum de nós seria capaz de encontrar. Ah, vale citar a interpretação de Anthony Burgess deste trecho: "homem e natureza se tornam fundidos através da participação no único ‘ser poderoso’ [mighty being], de modo que o mais elementar dos objetos naturais se torne ‘humanizado’". Chamem-no de panteísta, mas assumam que a tradução do intraduzível mistério dialético Deus-Natureza não foi feita de maneira tão traduzível quanto o fora por este poeta-profeta.
Marcadores: Literatura
Caro Felipe.
É um prazer retribuir sua visita e perceber que a internet em muito tem contribuído para dar voz a poetas-profetas comprometidos com a libertação da humanidade.
Um grande abraço. Incluirei seu blog no meu tour.