31.1.09

Viver entre fronteiras

A palavra latina “fronteiro”, de onde provém “fronteira”, origina-se do termo “fronte” que, a rigor, significa “testa”, “face”, “fachada”, “frente”, “dianteira”. É, antes de tudo, um lugar de frente, diante do qual se depara.

Esta é exatamente a realidade da vida no dia-a-dia: defrontar, confrontar, enfrentar e afrontar os limites e as dificuldades que surgem defronte de si. Viver é estar nas fronteiras, em lugares cheios de tensão e movimento, que não são estáticos. Por questão de sobrevivência, ali se pratica uma constante travessia e transgressão, de modo que aparecem outros lugares não muito limitados, pois as fronteiras são sempre desafiadas pelo exercício de liberdade.

Benditos sejam os lugares do meio!

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20.1.09

Barack Obama: três destaques do seu discurso de posse como presidente dos EUA*

Chegou o tempo de reafirmar o nosso espírito permanente; de escolher nossa melhor história; de levar adiante aquele precioso dom, aquela nobre ideia, passada de geração a geração: a promessa dada por Deus de que todos são iguais, todos são livres, e todos merecem uma chance de procurar sua completa medida de felicidade.

Às pessoas das nações pobres, nós nos empenhamos a trabalhar ao lado de vocês para fazer com que suas fazendas possam florescer e que águas limpas possam fluir; a nutrir os corpos que padecem de fome e a alimentar as mentes famintas. E àquelas nações como a nossa que desfrutam de uma relativa abundância, dizemos que não podemos mais manter a indiferença para com o sofrimento fora de nossas fronteiras; nem podemos consumir os recursos do mundo sem considerar os efeitos disso. Afinal, o mundo mudou, e nós devemos mudar com o mundo.

Seja dito pelos filhos de nossos filhos que quando fomos testados, recusamos a deixar que esta jornada chegasse ao fim, que não voltamos atrás e não hesitamos; e com os olhos fixados no horizonte e com a graça de Deus sobre nós, levamos adiante aquela grande dádiva de liberdade e a entregamos de modo seguro às gerações futuras.

*Tradução: Felipe Fanuel

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19.1.09

O nome dele é Martin Luther King Jr.

No dia de hoje, quero trazer à memória o nome de um homem cuja vida tomo como referencial, Martin Luther King Jr. Hoje, comemora-se em sua terra natal o feriado que o homenageia dando ao dia o seu próprio nome, privilégio reservado a apenas mais duas outras personalidades, George Washington e Cristóvão Colombo.

Nascido em um ambiente hostil a sua pessoa por causa da cor de sua pele, King não deixou de encontrar esperança entre a aurora e o crepúsculo. Fez a sua parte. Estudou Sociologia e Teologia, qualificando-se como um dos melhores quadros para mobilizar outros homens e mulheres que se identificavam com sua resistência às forças de opressão que castravam a liberdade de todos os cidadãos.

Na condição de pastor protestante, King não se confinou à clausura das quatro paredes de sua igreja, sentindo-se tocado para transformar a realidade para além das fronteiras religiosas. Não fez de sua luta uma religião, mas de sua religião uma luta.

De modo que eu sinto uma profunda vergonha de ter sido pastor dentro da mesma tradição de fé desse homem e estar longe de me engajar em uma causa de tal envergadura. Ainda há tempo. Completarei um quarto de século em 2009. Se errante fui, errante continuarei. Mas não quero errar sem causa.

Como devoto de São King, amanhã, na ocasião da posse de Barack Obama como presidente dos EUA, acenderei uma vela para a causa pela qual ele lutou, certo de que nem sempre se pode colher os frutos daquilo que se plantou. Como seria bom se aquele que fora o mais jovem ganhador do Prêmio Nobel da Paz estivesse aqui para celebrar essa vitória de sua causa! Mas creio que ele estará, porque ninguém foi feito para morrer, e sim para ressuscitar.

Foi assim com Jesus. Será assim com King. Eu acredito em Jesus. Eu acredito em King. Suas causas estão vivas e jamais serão mortas. Apesar da cruz, apesar do tiro. Eis que na morte surge a vida. Ressurreição! Lutarei por Jesus, lutarei por King. Nem o madeiro nem a bala poderão silenciar a luta de quem “tem um sonho” por um mundo de justiça. I have a dream today — o texto sagrado do meu dia.

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14.1.09

O que é fé?

A fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não veem. (Hb 11,1)

Quando se olha para uma definição, como essa descrita na Bíblia, a primeira coisa que nos vem à mente é uma pergunta. Se há um texto nos dizendo que fé é alguma coisa, é porque alguém perguntou “o que é fé?”. Portanto, a fé já nasce com um questionamento, com uma dúvida.

Opa, mas ali tem uma palavra contrária à dúvida, que é “certeza”. Certeza de quê, afinal? Daquilo que esperamos. Convicção? De quê? “Das coisas que não vemos”.

Ora, como pode haver dúvida e certeza juntas? Apenas através da fé. Através desta palavra, nos sentimos tocados por algo que ultrapassa as nossas dúvidas e certezas. Por mais necessário que seja, ter dúvida apenas ou ter certeza apenas não é o mais importante.

É preciso dúvida, é preciso certeza, e as duas convivem juntas numa relação de aprendizado do que é fé.

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7.1.09

“Isto é o meu corpo” (Jesus de Nazaré)

Quando fui buscar o jornal na minha porta hoje, estava cantando os seguintes versos: “Agora o que mais importa / É renascer na esperança / É renascer, renascer na esperança” (Jaci Maraschin). Tamanha surpresa foi, logo depois, defrontar com a imagem de um corpo de uma menina achada em meio aos escombros da atual guerra entre Israel e Hamas. (Folha de S. Paulo, 07/01/09)

Lembrei-me de quando celebrei o primeiro memorial da Ceia do Senhor (Eucaristia), na minha curtíssima experiência pastoral protestante. Pouco tempo atrás. Era na semana em que a nossa faixa de Gaza carioca pegava fogo. Ali, durante o culto, preguei um sermão sobre memória e esperança, que dizia o seguinte no final:


Quero terminar esta palavra fazendo um apelo à sua memória. Mas não quero lembrar você de nada não. Meu desejo é que você apenas use a sua visão para não se esquecer de algo que vem nos afetando a cada dia, quando acompanhamos os noticiários. Há uma foto que saiu na capa do jornal Folha de S. Paulo, na última quinta-feira (27/06/07). Lá estão, corpo e sangue, representando o resultado de nossa amnésia. Esse corpo e esse sangue poderiam ter outro destino, mas estão ali, clamando ao mundo todo por justiça. Nem sei de quem se trata ali, debaixo daquele pano, mas sei que é alguém fruto da violência que tanto mancha a nossa Cidade Maravilhosa. Esta pessoa certamente nasceu num lugar miserável, onde não havia outra opção a não ser entrar para o crime. Vamos nos calar diante disso?

O corpo e o sangue de Jesus são símbolos de esperança. Mas são também símbolos da memória. Precisamos de memória! Precisamos de memória social! Precisamos lembrar que os hebreus sofreram injustiça, que Jesus sofreu injustiça, mas que muita gente hoje ainda continua sofrendo injustiça aos nossos olhos e nós não fazemos nada além de virar a página do jornal e esperar mais um dia chegar.

A mim e a você Jesus disse “fazei isto em memória de mim” (v. 19), porque ele quer ser lembrado. Ele será lembrado cada vez que lembrarmos dos injustiçados da cidade, do estado, do país e do mundo. Cabe a todos nós vivermos esta esperança cada vez que comermos deste pão e bebermos deste cálice. Lá, no pão, estavam as marcas das injustiças. Lá, no cálice, estavam as marcas do derramamento de sangue, da violência. Dois problemas contra os quais lutávamos ontem, lutamos hoje e lutaremos sempre, com memória e esperança. Que para tanto Deus nos ajude. Amém.



As injustiças continuam. E Jesus ainda quer ser lembrado. Porque esses corpos aí, cariocas ou palestinos, são os corpos daquele que acabou injustiçado na cruz. O que mais importa agora, portanto, é que a esperança renasça em nossa memória.

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3.1.09

Teologias de vanguarda

É curioso que em um país como o Brasil, onde se desenvolveu, como em muitas partes do mundo, discursos de libertação na teologia, haja intelectuais dispostos a se pronunciarem de maneira pública contra movimentos teológicos que visam a transformação da realidade em consonância com outros movimentos sociais.

Este foi o caso do professor do curso de Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Luiz Felipe Pondé, que através de uma infeliz opinião em sua coluna semanal no jornal Folha de S. Paulo (acesse via Pavablog), fez jus à pecha de conservador, ao não apenas detratar com ironia as tendências de vanguarda dentro da teologia, mas também fazer um julgamento precipitado a respeito do assunto que considera uma questão de mero gosto pessoal. Leia o que ele diz:

A teologia feminista diz que ‘a Deusa’ existe para punir o patriarcalismo. A teologia bicha (Queer Theology) se pergunta: por que Jesus viveu entre rapazes, hein? Alguns latino-americanos vêem Nele um primeiro Che, hippies viam um primeiro Lennon, outros, um consultor de sucesso financeiro. Ufólogos espíritas dizem ser Ele um extraterrestre carinhoso. Prefiro o cristianismo antigo. (...) O Cristo antigo é um clássico. Melhor do que essas invenções da indústria teológica de vanguarda, feitas para o consumo moderno.

É possível que ao criticar os movimentos inovadores dentro da teologia, caricaturados por ele como “invenções da indústria teológica de vanguarda”, Pondé caia no mesmo conservadorismo da Inquisição, que em nome da fé correta, perseguia quem pensava diferente a respeito dos dogmas. Pondé julga as outras teologias a partir de um paradigma teológico que para ele deve ser o correto.

Acredito que as pessoas tenham o direito de enxergar a religião conforme aquilo que faça sentido para as suas vidas, sem serem julgadas por isso, mesmo que estejam distantes da teologia clássica. Afinal, esta liberdade de pensamento em assunto religioso é assegurada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, no seu artigo XVIII:

Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular.

Pondé, meu caro, leio suas idéias toda segunda-feira, mas, desta vez, não deu para ficar só na leitura silenciosa. Desculpe-me pelo barulho.

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