29.11.08

Saramago ontem no Teatro Folha

Eram 13h quando consegui sair da Universidade Metodista correndo em direção à estação de metrô Parque Dom Pedro, em São Paulo. Após dois dias de aulas intensas sobre Religião, Teologia e Cultura, tudo o que eu mais queria era chegar antes das 15h ao Shopping Higienópolis, onde ouviria José Saramago. A minha pesada mochila cheia de roupas sujas, continha além dos livros de Zygmunt Bauman, Robert Schreiter e Kathryn Tanner, Ensaio sobre a cegueira e O Evangelho segundo Jesus Cristo. Transcrevo abaixo alguns dos trechos principais que captei da fala saramagoana, que combina o melhor da perspicácia, da inteligência e, claro, do sarcasmo.

“O melhor quando não se tem nada a dizer é calar.”

“A história da humanidade é um desastre contínuo.”

“O instinto serve melhor aos animais do que a razão serve ao homem.”

Ensaio sobre a cegueira foi escrito para dizer que estamos todos cegos... Eu não queria ver a cara dos meus personagens [quando procurado por Fernando Meirelles para produzir um filme a partir deste romance].”

“Sou aquilo que se poderia chamar de um comunista hormonal... Ser comunista é um estado de espírito... O Marx nunca teve tanta razão quanto agora.”

“Se o português quer ganhar influência no mundo, tem de adotar uma grafia única.”

“Entre Portugal e Brasil só há duas coisas: interesses comuns e trabalhos comuns.”

“O leitor importa depois, não enquanto se escreve.”

“Não quero ofender ninguém... Deus simplesmente não existe.”

“A Bíblia foi escrita ao longo de 2000 anos e não é um livro que se possa deixar nas mãos de um inocente. Só tem maus conselhos, assassinatos, incestos.”

“Alguém aqui sabe dizer o que é o narrador? O narrador é aquele que narra e aquele que narra é o autor.”

“Não me convém saber certas coisas.”

“O problema é que eu não sei de nada, mas tenho essa sensação contínua de que deveria saber de tudo.”

Eis o link para quem quiser assistir ao vídeo da sabatina.

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24.11.08

Deus por ele mesmo

"Sou quem sou."

(cf. Ex 3,14)

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17.11.08

Da salvação

Pois eu não vim julgar o mundo, mas salvar o mundo. (Jo 12,47)

Estamos salvos. Jesus nos assegura esta confiança. Afinal, ele veio aqui unicamente para nos salvar. Quem se sente salvo sempre se sentirá salvo. Não é um dia da vida, mas é eternamente. Nada pode anular esta esperança. Ele, Jesus, veio nos salvar. E nele estávamos salvos, estamos salvos, e estaremos todos os dias salvos.

É lamentável, porém, que o medo esteja aí. Se alguém está com medo, é porque está cego. É porque não quer ver a vida, preferindo fugir da realidade. Pode até querer ser religioso, mas não quer saber de deixar sua vida se transformar de modo que a cegueira do medo seja curada. Por isso, esse mal parece sem cura, sem salvação.

Salvação e cura são sinonímicas. Aliás, a palavra “saúde” vem da palavra latina “salute”, que significa “salvação”. Salvação é uma cura que Deus realiza em nós, dando-nos vida. John Wesley (1703-1791) nos ensina alguma coisa importante sobre isso. Com ele, aprendemos que salvação é a restauração total da imagem deformada de Deus em nós, e sua realização plena é a recuperação de nosso poder negativo de não pecar e nosso poder positivo de amar a Deus sobre todas as coisas.

Negatividade e positividade, pólos humanos sem contato um com o outro, mas que convivem dialeticamente, isto é, um lá e outro cá, um cá e outro lá. Volta em cena a ambigüidade. O que seríamos nós sem ela? A terapia divina respeita o lado ambíguo humano, fugindo da unilateralidade de enfatizar apenas a possibilidade de eu ser bomzinho. Ao contrário de ser perfeito, ser salvo é ser curado dia após dia. A imperfeição não passa de uma outra dentada diária no fruto edêmico. Desculpai-me, senhores, se ninguém vos avisou: nós somos humanos — se ainda lembram de Paulo: “todos pecaram e estão privados da glória de Deus.” (Rm 3,23)

Se salvação não é um processo terapêutico de cura, onde Deus está trabalhando em nós, para quê vou sair da minha casa e ir à igreja aos domingos? Só para ouvir que estou perdido? Pois bem, todos estamos, inclusive vós.

Portanto, assumir a ambigüidade é uma coragem de estar para além de si, para além das chagas sangrentas da humanidade. É se deixar curar, não com remédios patenteados pelas nossas instituições religiosas, mas com a gratuidade da vida — deram-nos a vida, para lembrar quem se esqueceu. (Paulo de novo! O versículo debaixo, senhores — “justificados por sua graça”.) Com isso, nós estamos sendo santificados por esta graça através de uma cura que quem efetua é Deus, através de seu Espírito, não nós, não nosso esforço, não as fórmulas dos nossos sacros boticários.

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10.11.08

Sem Obama

Acho oportuno exclamar: Que vergonha para o Brasil! Apesar de nossa população afrodescendente ser bem maior que a dos Estados Unidos, estamos longe de ter um Obama concorrendo à presidência em 2010. Sem dúvida, nosso tabu racial ainda não foi quebrado, o que, por conseguinte, significa reconhecer que a mudança ainda não chegou, pois, diferente do que ora se observa naquele país, as oportunidades aqui não são para todos-inclusive-os-negros — vocês sabem, isso não é redundância. Quero, assim, lamentar, sentindo as dores de minha mãe África, que pouco se pode esperar do fato de já sermos um país de maioria negra além do aumento do número de bandidos.

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7.11.08

Sermão do Mau Ladrão (*)

(*) Inspirado no Sermão do Bom Ladrão, de Padre António Vieira, que está disponível em
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/fs000025pdf.pdf

VI

Eis a nossa esperança: Hodie mecum eris in Paradiso. “Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso.” Mas o Paraíso começa na cruz. E é só na condição de ladrões que podemos clamar por lembrança de Jesus. Não somos nós quem pede para estar no Paraíso. É ele quem está nos prometendo. Cabe a nós o papel de clamar pela sua lembrança, nas dificuldades do dia-a-dia, sabendo que ele está ali, sofrendo conosco. O seu silêncio é apenas um convite que nos faz para depender mais dele. Porque é dependendo dele que teremos esperança. Esperança que nasce quando lembramos que um dia ele sofreu como nós aqui na terra, todo tipo de sofrimento, por nossa causa. Um dia ele entregou o seu corpo e o seu sangue por amor às nossas vidas.

O Paraíso começa na cruz, porque é na cruz que somos todos iguais, somos todos ladrões; não há ninguém melhor que o outro. Mas cada ladrão representa a nossa humanidade. Como se fossem os nossos dois lados. Eles são a ambigüidade que mora dentro da gente. E Jesus trata a ambos igualmente, porém um precisa do silêncio, o outro ouve que estaria no Paraíso.

Senhor Jesus, o Bom Pastor, que na cruz foste posto ao lado de ladrões para pagar pelo erro do primeiro de todos os ladrões, bem como o de todos nós, eternos pecadores, ensina aos atuais pastores do teu rebanho que, não perseguindo o povo com um moralismo, nem distanciando de sua própria condição de maus ladrões, de tal maneira impeçam o engano da ilusão de “bom ladrão”, alcançando assim a esperança de tua fala: Hodie mecum eris in Paradiso. Amém.

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1.11.08

Sermão do Mau Ladrão (*) — Penultimum

(*) Inspirado no Sermão do Bom Ladrão, de Padre António Vieira, que está disponível em
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/fs000025pdf.pdf

V

É esta palavra “esperança” que caracteriza a fala do segundo ladrão. Ele suplica: Domine memento mei cum veneris in regnum tuum. “Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reino.” (v. 42) Para ele, o sofrimento aqui deixou de ser importante. Ele está pensando na missão divina de trazer vida eterna para uma humanidade moribunda.

Ele não é religioso. Talvez nunca tenha entrado num templo. E ele chama o Mestre de “Jesus”, seu mais simples nome. Não o chama de “Senhor”, ou “Cristo”, como o faz seu colega, mas simplesmente de “Jesus”. Este é um nome vulgar, comum, da época, como se fosse um “Zé Ninguém”. Esse homem, conhecido como “bom ladrão”, tem um senso de justiça muito forte. Reconhece sua própria condição, não fica tentando culpar Deus, ou lhe pedir algum milagre. Não! Sabe que está pagando pelos seus feitos e nutre um temor a Deus. Por isso, não inventa desculpas para o que fez. Assume suas dívidas. Paga por elas. Reconhece-se como mau ladrão.

Uma palavra que esse homem diz que é muito importante para todos nós, que sofremos hoje nas nossas lutas diárias: “Lembra-te de mim.” Ele está clamando por lembrança, por memória. Ele não quer nada, só a lembrança de Jesus. Se Deus se lembrar de nós, já é o suficiente. Não precisamos de mais nada. E é na lembrança de Deus que o outro ladrão também pode ter esperança. Ele vai ouvir Jesus dizer para o seu colega que “hoje” ele estará no Paraíso. Não é amanhã, é hoje. Ser salvo é estar no Paraíso hoje. Não é descer da cruz, como queria aquele ladrão que falou primeiro. Nós temos que aprender isto: ser salvo não é Deus nos livrar dos problemas da vida, mas é ele nos levar para o Paraíso hoje, aqui e agora.

* * *

[Continua]

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