25.1.08

Da alienação

É preciso alienar-se. Alienar é evitar um a priori, que é aquele velho hábito de manter o controle através da razão. Já se esqueceu, infelizmente, que o próprio movimento filosófico que enfatizava a explicação racional da vida recebeu apelidos metafóricos bastante distantes de uma racionalidade insensível, como “Luzes” e “Ilustração”. Ambas expressões guardam em seu sentido, momentos memoráveis de quando a humanidade vivia a aurora de um novo tempo, onde o passado foi reconhecido como “Trevas” diante do lúmen de novas experiências, que embora nascidas no crepúsculo dos séculos escuros, davam a sensação da iminência de uma nova era. Pura alienação! Rejeitaram o a priori do establishment em prol do sentimento de viver diferentemente. Apostaram, pois, no sentimento. Afinal, a razão foi, antes de tudo, uma alienação, uma ilustração, uma luz, um sentimento. Era, então, um a posteriori, não um a priori. Já nasceu com uma intenção: desejar um requiescat in pace para o velho mundo, o velho sentimento.

Quando Fernando Pessoa diz que “pensar é querer transmitir aos outros aquilo que se julga que se sente”, ele proclama uma crítica aos agora chamados “ilustrados”, que se pretendem racionais, pensadores, homens da ciência. Ao pensamento, que se apresenta claramente como um juízo de valor sobre um sentimento — “pensar é limitar”, adverte Pessoa —, foi dado um lugar de prestígio na guerra política dos cientistas contra os sacerdotes. Como se sabe, desvendar os arcanos sempre foi o objetivo dos alquimistas, que produziam criptologias nos tempos medievais, enquanto que o clero, sentado no trono dominante, produzia “verdade” sob a chancela da igreja, representante divina no mundo. Nos tempos modernos, ocorre o inverso. Agora são os cientistas que produzem “verdade” baseados na existência de uma razão em todo o ser humano. Aos “religiosos” restam as lucubrações de uma cripto-teologia escrita ao som do réquiem diante do túmulo de Deus. Este é um histórico conflito entre ciência e religião* que revela o quão distante se está de conceber “Verdade” como “uma idéia ou sensação nossa, não sabemos de quê, sem significado, portanto sem valor, como qualquer outra sensação nossa” (Pessoa). Brigam por uma “verdade”, mas não admitem uma “Verdade” como sensação. Difícil lhes será, assim, perceber que, no fundo, “a verdade não existe”, como admite o pensador lisboês.

O fato de a verdade ser relativa não diminui seu valor, porque “nós temos a idéia” de verdade. E isso é importante, já que essa “idéia” é uma sensação, por isso, alienada. Eis o segredo da vida! O sentido da verdade corresponde ao que eu sinto, à minha condição de alienar-me. Por isso, não existe verdade, existe uma sensação de verdade. O mesmo se pode arriscar dizer: não existe vida, existe uma sensação de vida. (Para des-crédito cartesiano, diria: Sinto, logo existo.) Dói aos tímpanos da tradição racionalista ouvir coisa assim. Falta alienação.

Marcadores: ,

21.1.08

Um Natal fora de época

No último dia 10, o sol da liberdade brilhou para duas mulheres seqüestradas durante mais de cinco anos por forças insurgentes da Colômbia. Uma delas, Consuelo González, essa semana disse: “Minhas filhas não quiseram celebrar o Natal até que eu chegasse”. Hoje, em pleno mês de janeiro, onde a gente está fazendo contas para pagar as dívidas de fim de ano, ninguém está mais preocupado em celebrar o nascimento de Jesus. (“Isso é coisa de dezembro!”, alguém poderia pensar.) Mas quando os sofrimentos de um cativeiro impedem que prisioneiros e seus parentes se alegrem no dia 25 do último mês do ano, pela falta das pessoas queridas, a celebração da chegada daquele menino em Belém não tem data para acontecer.

Esse Natal fora de época pode ter muito mais significado que um Natal comum para aquela senhora de 57 anos, que além de ter ficado viúva durante o cativeiro, foi impedida de ver o casamento de suas duas filhas e o nascimento de sua neta. Ela está agora comemorando a liberdade da qual não pôde desfrutar durante 76 meses. Por isso, Consuelo declarou essas lindas palavras: “Hoje, que estou aqui, na liberdade, penso que valeram a pena todos os esforços que fiz para sobreviver, porque a felicidade hoje é infinita”. Como é bom ver a alegria das pessoas que são libertas de quaisquer que sejam os cativeiros!

É justamente este sentimento de ver as pessoas livres que enchia o coração de Jesus de contentamento. Ele sabe o que falta em cada um de nós para alcançarmos a plena libertação de tudo aquilo que possa estar nos impedindo de sermos livres. Vendo uma mulher encurvada há 18 anos, diz-lhe: “Estás livre de tua enfermidade”. (Lc 13,10-12) Ao se deparar com um surdo-mudo, fala aos seus ouvidos bem baixinho: “Abre-te”. (Mc 7,31-37) Com um cego, ele apenas faz uma pergunta libertadora: “Vês alguma coisa?” (Mc 8,22-25) Para cada pessoa, Jesus tinha uma palavra diferente. Não havia receita de bolo. Cada indivíduo é especial. A liberdade de cada um exige um tratamento diferenciado, uma palavra escolhida e burilada com carinho. E era e é essa a maior missão daquele homem pobre de Nazaré: construir um mundo melhor ajudando as pessoas a serem livres.

Jesus está se alegrando com aquelas famílias colombianas, porque há menos duas mulheres sofrendo injustamente nas mãos de gente cruel neste planeta. Podemos imaginar que como bom amigo que sempre foi dessas filhas de Eva, sua alegria é dobrada. Sentimento semelhante, imagina-se, àquele que teve com aquela mulher a quem vários homens queriam apedrejar por ter transgredido uma lei. Com seu espírito subversivo às regras, por considerar as pessoas mais importantes que um conjunto de mandamentos, ele revela o óbvio, que o nosso telhado é de vidro: “Aquele dentre vós que está sem pecado seja o primeiro que lhe atire uma pedra”. (Jo 8,1-11) Candidatos a se retirarem não faltaram, porque quando nos sentimos iguais, sem diferenciação, nós não nos vemos no direito de tirar a liberdade dos outros.

O Natal fora de época significa a celebração desta liberdade. Que o choro do bebêzinho na manjedoura possa ecoar durante muitos meses ainda!

Marcadores:

15.1.08

O papel do educador

O educador nunca deveria ser visto como alguém capaz de se sobrepor à sua sociedade e de encaminhar a revolução e a transformação social necessárias. Antes, seu papel deve ser de transmitir, no diálogo com seus alunos, não só conhecimentos, mas também formação de consciência. Neste sentido, é importante a afirmação de valores, a reflexão crítica/autocrítica, as convicções e as dúvidas. A educação, no âmbito do esforço daqueles que lutam por uma democratização mais efetiva da sociedade, não pode engessar os valores, ou esvaziar a práxis, transformando-a num jogo estéril.

Marcadores:

11.1.08

A urgência de uma ética ambiental

Num mundo onde se observa uma cada vez mais irremediável destruição da natureza, emerge-se uma crise sem precedentes na relação das pessoas com o ambiente em que vivem. O ideal de dominação dos recursos naturais permanece vivo no inconsciente coletivo de uma humanidade que, apesar de avançada tecnologicamente, insiste em manter uma retrógrada atitude no convívio com todos os seres que constituem o universo. Por isso, mais do que nunca se torna necessária uma discussão que vise à construção de uma ética ambiental para os tempos atuais, isto é, que esteja disposta a buscar respostas para perguntas crucias como a seguinte: O que fazer para mudar um mundo em crise?

Marcadores:

7.1.08

Defender Deus?

Impressionante a nossa capacidade enquanto clérigos de tentar defender Deus, como se ele estivesse diante de uma fogueira clamando por clemência. No entanto, o fato de se poder "falar mal de Deus" já revela o quanto independente ele é de nossas defesas. Além disso, por mais crentes que sejamos, normalmente admitimos que sua ausência também é importante — no Calvário, até Jesus experimentou o abandono do Pai. Fico pensando: Será que não estaria nos planos divinos sair da jogada e, assim, os nossos esforços apologéticos seriam inúteis?

Marcadores:

1.1.08

2008 com graça

Todos somos dependentes da graça. Pelo menos em uma ocasião, quando recém-chegados a este mundo, constatamos que alguém precisou nos dar a graça de seu cuidado para que estivéssemos vivos hoje. Mesmo que não tenham sido nossos genitores, alguma pessoa cuidou de nós dando-nos vida.

Se há algo que poderíamos fazer no início de cada ano, este algo é agradecer a todas as mulheres e homens que foram benignos para conosco não apenas nos nossos primeiros meses de vida, mas durante os últimos 12 meses que se passou. Benignidade é o mesmo que bondade, amabilidade, benevolência e generosidade. É como se fosse uma palavra que englobasse tudo isso.

Portanto, ser bondoso, amável, benévolo e generoso é expressar graça a alguém. Já que um dia todos fomos crianças indefesas, necessitadas da graça de outrem, por que não vivermos em graça no relacionamento com as pessoas ao nosso redor? Eis a aurora de um novo ano brilhando sobre nós a graça de podermos viver 2008 com graça.

• • •

Marcadores: